O Idealismo Alemão - Parte III

Antecedentes à primeira Crítica Parte 3

Com o advento do Iluminismo passou-se a delegar à Razão, à fria racionalidade, a tarefa de responder a todas as questões existenciais.
Ecoando o movimento de Voltaire, Diderot e outros pensadores, Francis Bacon fez com que a Europa e o resto do Ocidente outorgassem ao raciocínio, à Razão, a primazia de ser “o verdadeiro pensar”.

Fez com que se depositasse irrestrita confiança no poder das Ciências e da Lógica para resolver em definitivo as dúvidas filosóficas e para ilustrar “o quão perfeito é o homem”.

E Condorcert, Spinoza e mais alguns eruditos, não hesitaram em seguir esse novo caminho até que a crença, a fé e a própria divindade fossem relegadas a meras figuras de um passado sombrio, formado apenas pelas trevas da ignorância e da superstição, que as “luzes do século da Razão” extinguiriam para sempre.

Assim, quando os Filósofos Helvetius e Holbach desfecharam o ataque mais possante – que fez “o próprio clero tornar-se ateu” – , poucos duvidaram de que o novo padrão viera em definitivo.

Contudo, ainda existiam aqueles que não se conformavam com o rumo proposto e dentre estes se destacava a imponente figura de Jean Jacques Rousseau que nunca deixou de acreditar na força e na importância dos sentimentos, das sensações, das intuições e da fé, como um contraponto ao “Deus Raciocínio” ou à “Deusa Razão”.

E foi essa visão de Rousseau que embasou as ideias que germinavam em Kant. Depois, com o crescimento dessas convicções, ele percebeu que havia chegado a hora de se examinar cuidadosamente a real capacidade e validade daquele “Deus Intelecto” que com os seus silogismos lógicos, era saudado como o exterminador das crenças, das intuições etc. que durante milênios habitaram o coração do homem.

Afinal, ponderou Kant, a fé e a esperança, expressas em tantos formatos (quadros, igrejas, monumentos etc.) religiosos e românticos, estavam tão solidamente enraizadas na sociedade humana que para serem substituídas, seriam necessárias provas indubitáveis de que a Racionalidade era capaz de acertos contínuos e irrefutáveis e que a insipidez da Razão ainda seria suficiente para acalentar os sonhos humanos, ao invés de enxergá-los como um subproduto dos ditames lógicos.

Mas como até então não existissem sequer probabilidades de que tal correção da Razão houvesse efetivamente, outras vozes eruditas seguiram as pregações de Rousseau, como aconteceu, por exemplo, com John Locke que pela primeira vez analisou a Razão segundo as premissas da Filosofia; ou seja, de maneira lógica e racional. Quando ele afirmou que todo conhecimento provem necessariamente daquilo que foi captado pelos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) e que ao nascer a Razão era um quadro em branco (uma tábula rasa), inexistindo, portanto, as chamadas “ideias inatas”, ele, de certo modo, reduziu a Racionalidade à condição de um órgão com funções definidas; e dependente de estímulos externos para formar conceitos, pensamentos, julgamentos etc. A Razão não seria, apenas por si, uma entidade capaz de gerir a vida humana. Outra voz que se destacou foi a de George Berkeley que ao afirmar que “real” não é a matéria em si, mas a nossa percepção da mesma, refutou a tese Materialista de Locke e reafirmou, embora de modo indireto, a desimportância da Razão, já que ela depende do que seja captado pelos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) para formar seus conceitos, pensamentos ou juízos. E ainda nessa trilha, David Hume também reafirmou a dependência da mente em relação aos sentidos quando exarou sua tese acerca da inexistência de qualquer Metafísica.

Assim, o argumento inicial de Jean Jacques Rosseau de que a Razão não pode ser considerada como um juízo definitivo, viu-se seguido, direta ou indiretamente, por importantes eruditos de variadas matizes ideológicas. E o seu apego ao sentimentalismo*, ao instinto, à intuição consolidou-se como uma tendência merecedora de assaz consideração.

E foi com esse status que chegou até Kant que ao ler “Emilio”, obra prima do genebrino, encontrou no autor um homem que também buscava escapar da maré ateísta que predominava como símbolo de “modernidade e esclarecimento”. Um homem que não tinha o menor pejo em afirmar a sua crença na superioridade do sentimento em relação ao raciocínio e que, consequentemente, não hesitava em duvidar da hegemonia da Razão. Encontrou, enfim, alguém que não temia ir contra a corrente.

Então, Kant, para expor a sua própria dúvida sobre os limites e sobre a real capacidade da “Deusa Razão” viu que chegara o momento de iniciar a sua obra grandiosa. Estava nascendo o “Criticismo”.

Rio de Janeiro, 14 de Maio de 2014

Submited by

Wednesday, May 14, 2014 - 21:31

Prosas :

No votes yet

fabiovillela

fabiovillela's picture
Offline
Title: Moderador Poesia
Last seen: 8 years 6 weeks ago
Joined: 05/07/2009
Posts:
Points: 6158

Add comment

Login to post comments

other contents of fabiovillela

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Prosas/Others O "Coxinha", o "Mac-Calango", a Legalidade e a Legitimidade 0 2.811 10/28/2014 - 23:22 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte VIII - A Perseguição Política 0 2.467 10/25/2014 - 20:30 Portuguese
Poesia/General Asas, quem dera 0 1.159 10/24/2014 - 00:33 Portuguese
Prosas/Mistério Rousseau e o Romantismo - Parte VII - A Publicação de "Emílio", de "O Contrato Social", de "La Nouvelle Héloise" e outras 0 8.192 10/23/2014 - 13:56 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte VI - O rompimento com os Enciclopedistas 0 4.139 10/22/2014 - 13:29 Portuguese
Poesia/General Destino 0 1.875 10/16/2014 - 01:05 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte V- Os Enciclopedistas 0 3.010 10/15/2014 - 20:35 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte V - Notas Biográficas, continuação 0 2.307 10/14/2014 - 19:53 Portuguese
Prosas/Others O FIM da FILOSOFIA e da SOCIOLOGIA no ENSINO MÉDIO 0 2.542 10/13/2014 - 19:23 Portuguese
Poesia/Love O Voo da Vida 0 1.286 10/10/2014 - 14:22 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte III - Jean Jacques - Notas biográficas 0 2.624 10/09/2014 - 15:04 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte II - Jean Jacques Rousseau - Prefácio 0 1.455 10/08/2014 - 19:20 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte I - Preâmbulo 0 3.354 10/08/2014 - 00:16 Portuguese
Poesia/Love Retornos 0 798 10/06/2014 - 15:17 Portuguese
Poesia/Sadness A Mulher e as Fotos 0 1.580 10/03/2014 - 22:04 Portuguese
Prosas/Others Voltaire e o Iluminismo francês - Parte X - Considerações Finais 0 4.881 10/02/2014 - 19:59 Portuguese
Poesia/Dedicated Luz e Sombra 0 2.596 10/01/2014 - 00:19 Portuguese
Prosas/Others Voltaire e o Iluminismo francês - Parte IX - O Antagonismo entre Voltaire e Rousseau 0 2.486 09/29/2014 - 20:43 Portuguese
Poesia/Sadness Canção de Sarajevo 0 1.129 09/28/2014 - 19:59 Portuguese
Prosas/Others Voltaire e o Iluminismo francês - Parte VIII - O Tempo da Concessão e do Abrandamento 0 3.498 09/27/2014 - 00:27 Portuguese
Prosas/Others Voltaire e o Iluminismo francês - Parte VII - O Tratado sobre a Tolerância 0 5.389 09/25/2014 - 14:41 Portuguese
Poesia/Sadness Yumi do bordel 0 4.458 09/25/2014 - 13:17 Portuguese
Poesia/Sadness Dragões 0 2.249 09/23/2014 - 20:17 Portuguese
Prosas/Others Voltaire e o Iluminismo francês - Parte VII - Ecrasez L´infame 0 3.853 09/23/2014 - 20:02 Portuguese
Prosas/Others Voltaire e o Iluminismo francês - Parte VI - Dicionário Filosófico (a Enciclopédia) 0 1.782 09/22/2014 - 14:18 Portuguese