Descartes e o Racionalismo - Parte VIII - A época e o ideário básico


 
Descartes nasceu e viveu em uma sociedade feudal, que vivia sob o jugo da nobreza e sob a absoluta influência da igreja católica, baseada exclusiva-mente nas teses que Aristóteles legou ao mundo e que foram resgatas pelos Filósofos escolásticos – com destaque para Santo Agostinho, prócer dessa tendência.

Completando esse quadro desfavorável, a sua existência foi marcada pelas guerras religiosas entre Católicos e Protestantes – especialmente a “Guerra dos Trinta Anos” – e pela consequente inexistência de qualquer produção de saber ou de conhecimento, tanto em nível científico, quanto filosófico e/ou artístico.

Dessa sorte, sufocado por essa conjunção adversa, tão logo pôde, Descartes viajou em buscas de novas aberturas e doutras luzes e, assim, teve a oportuni-dade de conhecer vários lugares e diversas sociedades, observando suas diferentes práticas e crenças e vendo o quanto essas mesmas crenças condiciona-vam o modo de vida das pessoas.

Viu como os “costumes e as tradições” formatam a história dos povos e como são capazes de gerar os antagonismos de que resultam os mais diversos conflitos entre os indivíduos e entre os grupos sociais.

Assim sendo, não lhe restou alternativa que não fosse a de recrudescer as censuras, que já fazia des-de a adolescência, à tradição “aristotélica escolástica” que definia a ideologia dos povos. Ao atingir a maturidade, suas críticas se consolidaram e aumentou continuamente o seu repúdio à concepção de que “as coisas existem e são como são, porque pre-cisam existir dessa forma”.

Ao instituir a “dúvida” ou o “ato de duvidar” de todas as afirmativas, de todas as teses, de todas as crenças etc. ele elevou a importância que deveria ser dada ao raciocínio humano e, por extensão, ao próprio homem. Fez, de certo modo, uma bela apologia ao Humanismo que, naquela quadra, estava obscurecido pela superstição religiosa.

Contudo, o seu apelo à Lógica e à Racionalidade não significou que ele tivesse abandonado as suas convicções religiosas, já que permaneceu fiel ao Catolicismo até o fim da vida. O objeto de sua critica não era a religiosidade em si, mas o péssimo uso que dela faziam os ignorantes ou mal intencionados, que não titubeavam em utilizar a mesma apenas como um simples instrumento de dominação e de exploração.

De modo mais discreto do que aquele que futuramente seria usado pelos Iluministas, ele começou a questionar o “automatismo absoluto” que fazia do homem um mero fantoche, obediente ao que fora pré-determinado por algum demiurgo.

Tendo como objetivo central de seu ideário filosó-fico chegar à “Verdade Insofismável”, ele empre-gou o seu oposto, a “Dúvida Sistemática” para a-tingir esse fim. E foi, realmente, essa contraposição que o tornou pioneiro da Filosofia Moderna, a qual já não poderia contentar-se com tolas ilações base-adas em crendices ignotas ou sórdidas.

Esse será o assunto do próximo capítulo.

Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro. Primavera de 2014.

Submited by

Saturday, December 20, 2014 - 20:25

Prosas :

No votes yet

fabiovillela

fabiovillela's picture
Offline
Title: Moderador Poesia
Last seen: 8 years 24 weeks ago
Joined: 05/07/2009
Posts:
Points: 6158

Add comment

Login to post comments

other contents of fabiovillela

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Videos/Poetry As Cidades e as Guerras - A Canção de Saigon 0 14.882 11/20/2014 - 14:05 Portuguese
Videos/Poetry As Cidades e as Guerras - A Canção de Bagdá 0 18.464 11/20/2014 - 14:02 Portuguese
Videos/Poetry As Cidades e as Guerras - A Canção de Sarajevo 0 15.693 11/20/2014 - 13:58 Portuguese
Poesia/Dedicated Negra Graça Poesia 0 2.408 11/20/2014 - 13:54 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Final - O Contrato Social 0 4.205 11/19/2014 - 20:02 Portuguese
Poesia/Dedicated A Pedra de Luz 0 3.257 11/18/2014 - 14:17 Portuguese
Poesia/Love Chegada 0 3.520 11/16/2014 - 14:33 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte XIX - A Liberdade Civil 0 3.880 11/15/2014 - 21:04 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte XVIII - A teoria da Vontade Geral 0 5.532 11/15/2014 - 21:01 Portuguese
Poesia/Dedicated Partidas 0 2.802 11/14/2014 - 15:13 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte XVII - A transição para a Liberdade Civil 0 4.872 11/14/2014 - 14:06 Portuguese
Poesia/Love Diferenças 0 2.364 11/13/2014 - 20:25 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte XVI - A Liberdade Natural 0 3.915 11/12/2014 - 13:46 Portuguese
Poesia/Love Tramas 0 2.806 11/11/2014 - 00:47 Portuguese
Poesia/General A mulher que anda nua 0 3.525 11/09/2014 - 15:08 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte XV - Emílio e a pedagogia rousseauniana 0 9.604 11/09/2014 - 14:21 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte XIV - A transição para o Estado de Civilização 0 3.020 11/08/2014 - 14:57 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte XIII - O homem no "Estado de Natureza" 0 4.310 11/06/2014 - 21:00 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte XII - As Artes e as Ciências 0 2.425 11/05/2014 - 18:47 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte XII - A Religião 0 5.363 11/03/2014 - 13:58 Portuguese
Poesia/General Os Finados 0 1.434 11/02/2014 - 14:39 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte XI - O amor e o ódio 0 3.985 11/01/2014 - 14:35 Portuguese
Poesia/General A Canção de Bagdá 0 3.424 10/31/2014 - 14:04 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte X - As grandes linhas do Pensamento rousseauniano 0 3.161 10/30/2014 - 20:13 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte IX - A estada na Inglaterra e a desavença com Hume 0 3.335 10/29/2014 - 13:28 Portuguese