Dói-lhe Os Dentes - Parte II

Se anteontem o dia me parecia mais novo, ontem notava-lhe as rugas e doia-me os dentes, hoje vejo-lhe o cadáver e dói-me os dentes. Dói-lhe os dentes - dizem, outra vez, os mais atentos -, passa o tempo com a mão no lado direito da cara e encolhe os olhos como se a dor neles fosse. Hão-de vir dores piores - dizem os atentos mais velhos -, como se esta dor não fosse suficientemente dolorosa para ser levada a sério.

O cadáver transformou-se em pó, a poeira que o vento transporta para outros lugares. Ontem doia-lhe os dentes e, hoje, continua a mais chata das dores. E quando passar? Quem vai alimentar a dor?, perguntou um dos atentos com meia-idade. A dor alimentará a dor, e a dor alimentada pela dor alimentará a vida. Depois vem o amor e mais uma mão cheia de velhices, respondeu o atento mais velho antes de morrer.

Por enquanto só me dói os dentes. Da cidade sobrou o pó, do atento mais velho sobrou o cadáver e de mim vai sobrando dores de dentes. Ninguém quer tirar-me um pouco desta dor?

Hugo Sousa

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Monday, March 10, 2008 - 21:25

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HugoSousa

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Re: Dói-lhe Os Dentes - Parte II

Texto bem escrito, boa interpretação das coisas!

:-)

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