A liturgia do iogurte

De segunda a sexta-feira tenho um encontro marcado das 7:30 h da manhã ao meio-dia com trinta crianças da educação infantil. Na última carteira da fila,uma criança negrinha,magrinha,pernas tortas,se sentava todos os dias. Durante a aula ,ficava o tempo todo quieto ali na sua humildade.Poucos eram os colegas.Não reclamava,quase não conversava e na hora do recreio não brincava com ninguém.
Renato nesse dia havia tomado banho.Seus cabelos molhados iam secando grudados na cabeça -era como se tivesse usado uma espécie de óleo-. Vestido numa camisa amarela- sua única companheira- estava inquieto .Desde o início da aula colocava e tirava as mãos de dentro de uma sacola plástica. Comecei a ficar curiosa.Continuo a aula, mas passo a observá-lo.Chegou o momento de minha curiosidade acabar.Na hora do lanche vou de carteira em carteira ajudar as crianças abrirem os lanches,porém Renato não se posiciona.Quando atendo a todos, sinto alguém tocar em mim.-Abra aqui tia.Era Renato falando com uma voz sumida, mostrando o seu lanche.Renato volta ao seu lugar e fica adorando aquela gostosura em sua frente por alguns segundos,como se fosse algo sagrado.Não olha para ninguém, era como se só estivesse ele e aquela guloseima.Por que não toma logo? -Pensei- E eu observando. Renato começa um ritual leva até a boca e toma um pouquinho. E se delicia.Coloca em cima da banca,observa por alguns segundos.COMO SE FOSSE ALGO SAGRADO.....leva novamente à boca.Se lambuza.Muito compenetrado repete várias vezes o ritual até acabar a última gota.Finalmente passa os dedos no copo e limpa tudo.Renato corre os olhos pela sala e dá de súbito comigo a observá-lo.Fica sem jeito,se perturba.Constrangido se levanta e vem pedir para lavar as mãos e o rosto.Durante duzentos dias letivos essa fora a única vez que Renato se deu ao luxo de levar um mísero iogurte para lanchar.