Filosofia Sem Mistérios - Dicionário Sintético

MOBILISMO e o “DEVIR” – do Latim “MOBILIS” = aquilo que se move, altera-se.

“Nenhum homem se banha no mesmo rio por duas vezes; na segunda, ambos serão diferentes”

Doutrina que afirma ser a Realidade (ou o Real) mutável por natureza; isto é, seu modo de ser é a “mudança perpétua”. A raiz dessa doutrina pode ser encontrada já na filosofia pré-socrática em HERÁCLITO (séculos VI/V a.C, Éfeso), autor da frase em epígrafe e quem trouxe para o Ocidente a idéia de que tudo se modifica eternamente, em contínuo “Devir” (ver apêndice na seqüência).

Alguns comparam o “Devir” ao enunciado de LAVOSIER que afirma: “nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Outros o ligam à “Teoria da Relatividade” de Einstein (1879/1955, Alemanha), pois vêem alguns elementos do Mobilismo na tese que afirma não existir nada Absoluto, sento tudo Relativo e, portanto, mutável.

DEVIR

Do Latim “DEVENIRE” = chegar. O conceito de “DEVIR” ocupa posição de destaque na Filosofia. A seguir veremos suas principais definições:

1. HERÁCLITO (séculos V e VI a.C., Éfeso): para efeito de estudo é considerado o criador desse conceito, porém, na verdade ele o sorveu do Hinduísmo que já pregava esse “movimentar-se perpétuo”. Neste ensaio não alargaremos essa questão, e veremos em Heráclito o mérito de tê-lo repassado ao Ocidente. Diz o DEVIR que “Tudo que existe” é conduzido por um fluxo (de energia, de alterações) constante. Tudo flui. Nada “É”, efetivamente. O DEVIR, ou o “Movimento Eterno”, é uma Lei Universal que estabelece que tudo “o que é (que tudo que existe)” nasce, transforma-se e se dissolve no “Todo” de onde saiu. E tal “Lei” também é aplicada aos pensamentos, aos Juízos (ou Julgamentos), aos conceitos etc. que tão logo são exarados transformam-se em “letra morta”, em noções ultrapassadas, caducas, inválidas. A única coisa que existe de fato, ou “que é”, é o “Movimento Eterno”. Note-se que, tempos depois, SCHOPENHAUER colocou como “Essência” outro elemento abstrato. No caso, a “Vontade (de viver)” e, só por isso, já é possível observar a importância atemporal dessa idéia hindu, repassada pelo grego de Éfeso. Não só pelo conteúdo de seu sistema, mas também pela forma do mesmo, que deslocou o conceito de Essência de qualquer objeto ou SER para um Principio ou uma Lei.

2. Antagônica foi a posição de PARMÊNIDES (c. 544/450 a.C., Eléia) quando afirmou que o “Ser (ou existir)” não nasce, não se transforma e não morre. Para ele, o que muda, em verdade, é o Fenômeno (Fenômeno é o corpo físico, material de uma Essência. Aquilo que pode ser percebido pelos Sentidos Humanos) que “recobre” a Essência. Segundo o próprio, o DEVIR é apenas uma ilusão dos Sentidos (visão, audição, tato, paladar e olfato), pois se o “SER” sofrer alguma transformação não pode ser considerado como tal. Ademais, o “SER” não pode ser conhecido, quiçá estudado e apreendido, pelo Homem em razão da deficiência intelectual deste, que só lhe permite conhecer e compreender os Fenômenos. Talvez, concede PARMÊNIDES, o Homem possa afirmar com veracidade se algo “É” ou “não é”, mas além dessa definição, nada mais lhe é compreensível (ou cognoscível) em razão de sua mediocridade intelectual. E, realmente, quase toda problemática da Filosofia prende-se ao fato de: “Ser é” e o “Não Ser não É”.

3. Acerca do DEVIR, o mestre PLATÃO (c. 427/348 a.C., Atenas) afirmou que a tarefa do filósofo é a de construir a “SOPHIA (o Saber)”, através do “LOGOS, ou intelecto”, para que desse modo se possa ultrapassar esse conflito de opiniões. Séculos depois, chega-se em KANT (1724/1804, Alemanha) que ao propor a diferença entre o Fenômeno e a “Coisa em Si”, ou Essência, acomodou a questão dando ao primeiro o DEVIR; e à Essência a imutabilidade.

4. Antes, porém, na Filosofia de Aristóteles e na Escolástica (1) o DEVIR foi considerado uma mera passagem do estado de “Potência (ou de potencial)” para o estado de “Ato (a coisa concretizada, desenvolvida totalmente)” que afeta a todos os SERES e Objetos. Tal transformação, ou passagem, aconteceria por geração, por destruição, ou por alteração, ou pelo aumento, ou pelo movimento localizado (não confundir com o Devir que é universal).

5. Na Modernidade, HEGEL (1770/1831, Alemanha) considerou o DEVIR como a Síntese do processo dialético que confrontou o “SER” e o “Não Ser”; pois, para ele, tudo que existe é contraditório em si e, por isso, sujeito a desaparecer, ensejando a perpétua renovação, ou o DEVIR. Disse que “a Filosofia tem que pensar a vida”, ou seja, pensar a História que seria um “retrato” das mudanças do Homem ao longo do Tempo. Desse modo, aliás, a Historicidade assume o papel de ser a base, o fundamento da própria Realidade (ou Real) na medida em que assegura que se tal fato tem historicidade (aconteceu de fato), a Realidade que o contém também existe efetivamente. E como a História é composta de fatos sucessivos ou simultâneos, portanto mutáveis, fica claro que o DEVIR é a própria essência do Real (ou Realidade) que, por sua vez e por isso, é mutável de fato.

6. Um Pensamento posterior traz a Síntese do embate de Tese vs. Antítese que houve no Pensar que lhe antecedeu e, por isso, é chamado de “Dialético”. A investigação que Marx fez com a “Filosofia Materialista”, quando abordou as transformações sociais e a inevitabilidade da Revolução (que pode ocorrer em graus variados) é um bom exemplo do Devir como Dialético.

Para os mais românticos, a dúvida que Shakespeare expõe em Hamlet “Ser ou Não Ser, eis a questão” demonstra a importância da “mudança perpétua” e o quanto tal condição afeta o Homem, que intui a sua impermanência e sua condição de joguete dos acontecimentos.

1 - Escolástica – (Corrente Filosófica que surgiu a partir da Patrística, a filosofia dos Padres da primitiva Igreja Católica. Seu principal objetivo era conciliar os dogmas da Fé com o Raciocínio ou Razão).

Submited by

Thursday, April 8, 2010 - 23:48

Prosas :

No votes yet

fabiovillela

fabiovillela's picture
Offline
Title: Moderador Poesia
Last seen: 8 years 7 weeks ago
Joined: 05/07/2009
Posts:
Points: 6158

Add comment

Login to post comments

other contents of fabiovillela

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Videos/Poetry As Cidades e as Guerras - A Canção de Saigon 0 13.791 11/20/2014 - 14:05 Portuguese
Videos/Poetry As Cidades e as Guerras - A Canção de Bagdá 0 16.330 11/20/2014 - 14:02 Portuguese
Videos/Poetry As Cidades e as Guerras - A Canção de Sarajevo 0 14.602 11/20/2014 - 13:58 Portuguese
Poesia/Dedicated Negra Graça Poesia 0 1.538 11/20/2014 - 13:54 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Final - O Contrato Social 0 3.903 11/19/2014 - 20:02 Portuguese
Poesia/Dedicated A Pedra de Luz 0 2.631 11/18/2014 - 14:17 Portuguese
Poesia/Love Chegada 0 2.301 11/16/2014 - 14:33 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte XIX - A Liberdade Civil 0 3.164 11/15/2014 - 21:04 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte XVIII - A teoria da Vontade Geral 0 3.126 11/15/2014 - 21:01 Portuguese
Poesia/Dedicated Partidas 0 2.597 11/14/2014 - 15:13 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte XVII - A transição para a Liberdade Civil 0 4.469 11/14/2014 - 14:06 Portuguese
Poesia/Love Diferenças 0 1.314 11/13/2014 - 20:25 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte XVI - A Liberdade Natural 0 2.204 11/12/2014 - 13:46 Portuguese
Poesia/Love Tramas 0 1.927 11/11/2014 - 00:47 Portuguese
Poesia/General A mulher que anda nua 0 2.672 11/09/2014 - 15:08 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte XV - Emílio e a pedagogia rousseauniana 0 5.910 11/09/2014 - 14:21 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte XIV - A transição para o Estado de Civilização 0 2.617 11/08/2014 - 14:57 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte XIII - O homem no "Estado de Natureza" 0 2.623 11/06/2014 - 21:00 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte XII - As Artes e as Ciências 0 1.807 11/05/2014 - 18:47 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte XII - A Religião 0 2.976 11/03/2014 - 13:58 Portuguese
Poesia/General Os Finados 0 1.149 11/02/2014 - 14:39 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte XI - O amor e o ódio 0 2.550 11/01/2014 - 14:35 Portuguese
Poesia/General A Canção de Bagdá 0 1.875 10/31/2014 - 14:04 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte X - As grandes linhas do Pensamento rousseauniano 0 2.614 10/30/2014 - 20:13 Portuguese
Prosas/Others Rousseau e o Romantismo - Parte IX - A estada na Inglaterra e a desavença com Hume 0 2.216 10/29/2014 - 13:28 Portuguese