A Morte do Lidador - Capítulo VIII

Quem hoje ouvir recontar os bravos golpes que no mês de julho de 1170 se deram na veiga da fronteira de Beja, notá-los-á de fábulas sonhadas; porque nós, homens corruptos e enfraquecidos por ócios e prazeres de vida afeminada, medimos por nossos ânimos e fôrças, a fôrça e o ânimo dos bons cavaleiros portuguêses do sécuo XII; e todavia, êsses golpes ainda soam, através das eras, nas tradições e crônicas, tanto cristãs como agarenas.

Depois de deixar assinadas muitas armaduras mouriscas, o Lidador vibrara pela última vez a espada e abrira o elmo e o crânio de um cavaleiro árabe. O violento abalo que experimentou lhe fêz rebentar em torrentes o sangue da ferida que recebera das mãos de Almoleimar e, cerrando os olhos, caiu morto ao pé do Espadeiro, de Mem Moniz e de Afonso Hermingues de Baião, que com êles se ajuntara. Repousou, finalmente, Gonçalo Mendes da Maia de oitenta anos de combates!

Já a êste tempo cristãos e mouros se haviam descido dos cavalos e pelejavam a pé. Traziam-se assim à vontade, e recrescia a crueza da batalha. Entre os cavaleiros de Beja espalhou-se logo a nova da morte do seu capitão, e não houve ali olhos que ficasem enxutos. O despeito do próprio Mem Moniz deu lugar à dor, e o velho de Riba-Douro exclamou entre soluços:

— Gonçalo Mendes, és morto! Nós todos quantos aqui somos, não tardará que te sigamos; mas ao menso, nem tu, nem nós ficaremos sem vingança!

— Vingança! - bradou o Espadeiro com voz rouca, e rangendo os dentes. Deu alguns passos e viu-se o seu montante reluzir, como uma centelha em céu proceloso.

Era Ali-Abu-Hassan: Lourenço Viegas o conhecera pelo timbre real do morrião.

*Conto Popular Português de Autor Desconhecido, compilado por Alexandre Herculano

Submited by

Saturday, April 11, 2009 - 20:44

Poesia Consagrada :

No votes yet

AlexandreHerculano

AlexandreHerculano's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 13 years 25 weeks ago
Joined: 04/11/2009
Posts:
Points: 282

Add comment

Login to post comments

other contents of AlexandreHerculano

Topic Titlesort icon Replies Views Last Post Language
Poesia Consagrada/Tale O Bobo - Capítulo VII: O homem do zorame 0 512 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Tale O Bobo - Capítulo VIII: Reconciliação 0 314 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Tale O Bobo - Capítulo X: Generosidade 0 454 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Tale O Bobo - Capítulo XI: O subterrâneo 0 355 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Tale O Bobo - Capítulo XII: A mensagem 0 318 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Tale O Bobo - Capítulo XIII: A boa corda de cânave de quatro ramais 0 644 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Tale O Bobo - Capítulo XIV: Amor e vingança 0 612 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Tale O Bobo - Capítulo XV: Conclusão 0 433 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Tale O Castelo de Faria 0 444 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Tale O Parocho da Aldeia - Capítulo I: A Aldeia e o Presbyterio 0 536 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Tale O Parocho da Aldeia - Capítulo II: Noitadas Parochiaes 0 495 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Tale O Parocho da Aldeia - Capítulo III: Uma Escorregadela 0 557 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Tale O Parocho da Aldeia - Capítulo IV: Alhos e Bugalhos 0 619 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Tale O Parocho da Aldeia - Capítulo V: Excurso Patriotico 0 624 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Tale O Parocho da Aldeia - Capítulo VI: Bartholomeu da Ventosa 0 483 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Tale O Parocho da Aldeia - Capítulo VII: Tantaene Animis? 0 608 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Tale O Parocho da Aldeia - Capítulo VIII: Gloria ao Padre Prior 0 437 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Tale O Parocho da Aldeia - Prologo 0 526 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General O Soldado 0 979 11/19/2010 - 16:52 Portuguese