ELOGIOS XIX

l9

Ao publico, em nome de uma actriz que representava
o papel d'Ericia na tragedia «A Vestal»

Das victimas d'Amor carpiste os fados,
Sensivel assembléa, egregio povo
A Musa do terror, do pranto a Musa,
Mesclando affectos dous, que a scena regem,
A fonte ás sensações abriu nas almas.
Por artes de illusão revivem tempos,
Dos abysmos da morte heróes assomam,
E inda a ser existencia aspira o nada.
Aos vates, a mortaes, mas quasi numes,
Dos numes o maior de si deu parte;
Deu-lhes, que sobrepondo o genio aos fados,
Nos seculos por ser, e nos que foram,
Fizessem resurgir, nascer fizessem
Entes de alto caracter, de alto nome,
Ou indoles fataes á Natureza,
Ou ternas condições, escravas d'ella:
Taes vistes, foram taes — Ericia — Afranio; —
O féro Amor, ou déspota do mundo,
Que os homens agrilhôa, impõe aos deuses,
O cruel, que entre viboras, e flôres
Nectar, nectar promette, e dá veneno
Aos tristes corações, que mais o adoram:
Elle, o commum tyranno, aos dous amantes
Lamentados por vós, em vez de glorias,
Deu ancias, deu cyprestes em vez de myrtho:
Tenra belleza em flôr, virginea rosa,
D'elle por impia lei cahiu sem vida,
E o misero amador, que a vê luctando
Co'as angustias mortaes, no peito embebe
O ferro, com que Amor fadou seu termo;
Ferro, que inda goteja o sangue amado,
E em purpura trocou do seio a neve.
Assás haveis honrado, assás carpido
Os sem ventura, e candidos amores,
Os suspiros sem mancha, o caso acerbo,
A heroica intrepidez, verdugo d'ambos.

Descei vossa attenção, descei risonhos
para objecto menor; sou eu, não ella,
Não Ericia, que falla: o chôro, as mágoas
Convertem-se em prazer na face, e n'alma:
Nem tormentos de Amor, nem fraudes suas
Meus labios, olhos meus agora exprimem;
Mas gloria, gratidão, que fervem, sôam
Da protegida actriz na voz, no peito:
Ao merito vulgar, que rója, e treme,
Azas daes, com que imite adejos de aguia,
E além da propria esphera afoute os vôos:
Eu nada sou por mim, por vós sou tudo:
Mais que humano poder, poder sagrado
Por vós meu ser, meu gráo, meu fado altêa.
Lysia, mimo do céo, da terra esmalte,
No seio amigo me acolheu piedosa:
Serenos dias meus são dons de Lysia,
E até que os deixe o sol, que os turve a morte,
Até que os desampare a luz da vida, .
Os vossos mesmos dons vos sagro, oh lusos !

Submited by

Sunday, October 18, 2009 - 21:44

Poesia Consagrada :

No votes yet

Bocage

Bocage's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 14 years 14 weeks ago
Joined: 10/12/2008
Posts:
Points: 1162

Add comment

Login to post comments

other contents of Bocage

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS V 0 851 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS VI 0 1.410 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS VII 0 1.625 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS VIII 0 1.060 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS X 0 1.486 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS XI 0 902 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS XII 0 1.096 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS XIII 0 916 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS XIV 0 1.490 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS XV 0 1.153 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS LVI 0 827 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS LVII 0 1.020 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS LVIII 0 916 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS I 0 723 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS II 0 966 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XLIII 0 1.301 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XLIV 0 1.099 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XLV 0 1.016 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XLVI 0 610 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XLVII 0 928 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XLVIII 0 1.039 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XLIX 0 1.144 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS L 0 1.703 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS LI 0 1.200 11/19/2010 - 15:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS LII 0 854 11/19/2010 - 15:55 Portuguese