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APÓLOGOS II
2
O lobo e a ovelha
Uma ovelha em tempo antigo
Estreita união travou
Co'um lobo: não sei que santo
Este milagre operou.
Esqueceu-se do rebanho,
Do guardador se esqueceu,
E em companhia do amigo
Pelos mattos se metteu.
Ali a que d'antes era
Qual mansa pomba sem fel,
Pelo exemplo estimulada,
Aprendeu a ser cruel.
Apenas lhe parecia
Ter feito já digestão,
Eis prompta a comadre ovelha
Para a sanguínea funcção.
Se, vendo as prêas, não tinha,
O valor de arremetter,
Ao menos, depois de mortas,
N'ellas entrava a roer.
Contemplando o fero mestre
No pervertido animal
Os progressos, que fazia
A sua eschola brutal.
De prazer, e de vaidade
Lhe pulava o coração,
E tinha á sua educanda
Cada vez mais affeição.
Mas um dia em que esfaimado
Saiu com ella caçar,
Nem rasto do que buscava
Pôde ao menos encontrar.
Montes, valles, bosques, tudo
Farejou, subiu, correu;
Em fim, só farto de vento,
Na cova se recolheu.
Cozeu-se á terra esfalfado,
E depois que repousou
Para a debil companheira
Os crueis olhos lançou.
«Que ! (disse o mau lá consigo)
Não ha soffrimento egual !
Hei de curtir esta angustia,
E morrer por ser leal !
«A natureza me instiga,
E devo dar-lhe attenção:
Está primeiro que tudo
A propria conservação.
«Tu, virtude, és attributo
Dos homens, dos racionaes;
Não me pertences: eu sigo
Meu instincto, e nada mais.»
N'isto, veloz como um raio,
Co'a pobre ovelha investiu,
E logo dentes, e garras
Nas entranhas lhe sumiu.
Com trémula voz pergunta
Ao desleal a infeliz:
«Porque me tiras a vida,
Ingrato, que mal te fiz ?
«Que lei o rigor te ordena
A que eu motivo não dei? »
E elle sofrego responde:
«Tenho fome, a fome é lei.»
D'esta arte cevando a furia,
Não cessou de lacerar,
E, antevendo alguma urgencia,
Os ossos nús foi guardar.
Vêde, mortaes, n'este exemplo,
Exemplo cheio de horror,
O que produz a alliança
De um perverso, de um traidor.
Se os maus tiverdes por socios,
Eu fico que os imiteis,
E que lobos d'esta casta
Ou cedo, ou tarde encontreis
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