FASTOS DAS METAMORPHOSES IX
O roubo de Orithya por Boreas
(Traduzido do Livro VI)
O affamado Erecthêo regia Athenas,
Heróe na rectidão, e heróe no esforço.
Quatro filhos houvera, e quatro filhas:
Em duas florecia egual belleza.
Foi Procris, uma d'ellas, esposada
Por Cephalo, de Eólo egregio sangue;
A outra, inda donzella, era Orythya.
Arde em seus olhos o Estrymonio Bóreas,
Arde ha muito, e do pae ha muito a espera,
Brando rogo antepondo a dura força;
Mas vendo as preces vãs, lesada a gloria,
Horrida co'a braveza a que anda affeito,
Crua, espantosa, natural ao vento,
E da razão munido, assim declama:
«Porque, porque depuz, insano, as armas,
Fereza, robustez, e voz terrivel,
Usando o rogo, que a meu ser não quadra?
Só me convém, me é propria a força, a ira:
Com ellas arrebato as altas nuvens,
Com ellas em montanhas ergo os mares,
Torço os carvalhos, endureço as neves,
A redonda saraiva arrojo á terra:
E se os bravos irmãos nos céos encontro,
(Que vós, oh vastos céos, vós sois meus campos)
Com tanta audacia, tanta furia lucto,
Que nosso embate horrendo atroa o pólo,
E d'entre a cerração rebenta o raio.
Se o gran seio investigo á curva terra.
Se ás intimas cavernas metto os hombros,
Turbam-se os manes, estremece o mundo.
Dest'arte me cumpria haver a esposa,
Devia usar da força em vez das preces,
Não rogar Erecthêo, mas constrangel-o.»
Isto, ou mais Bóreas diz, e as azas bate,
E abana as terras, e revolve as ondas.
Pelos cumes altissimos dos serros
Manto pulverulento o deus arrasta;
Varre o chão, e escondido em nevoa grossa,
A timida Oríthya envolve, abraça
Co'as fulvas pennas, e remonta o vôo.
Em quanto adeja rapido com ella,
As flammas agitadas mais se atêam:
E na aérea carreira impetuosa
O activo roubador se não reprime,
Até que pousa nos Sithonios muros.
Ali a Actéa, singular princeza
Esposa foi do aligero tyranno,
A mãe dos gemeos inclitos, que abriram
Não vistos mares no baixel primeiro.
Submited by
Poesia Consagrada :
- Login to post comments
- 4874 reads
other contents of Bocage
Topic | Title | Replies | Views |
Last Post![]() |
Language | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia Consagrada/Sonnet | Soneto ao Árcade Lereno | 0 | 2.602 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Soneto ao Leitão | 0 | 1.686 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Soneto Arcádico | 0 | 2.028 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Soneto da Amada Gabada | 0 | 3.479 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/Erotic | A Ulina | 0 | 4.151 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/Meditation | Auto-retrato | 0 | 3.639 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | À morte de Leandro e Hero | 0 | 1.455 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cantata à morte de Inês de Castro | 0 | 1.896 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cartas de Olinda e Alzira | 0 | 2.266 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia/Erotic | Arreitada donzela em fofo leito | 3 | 2.293 | 02/28/2010 - 12:18 | Portuguese | |
Poesia/Erotic | Lá quando em mim perder a humanidade | 1 | 2.115 | 02/28/2010 - 12:15 | Portuguese |
Add comment