EM FUGA
Em fuga
A rua àquela hora era só o silêncio e a minha sombra. Alta noite, chuvisco, tratava de apressar a distância até o ponto de ônibus. Meus pés no asfalto faziam eco em compasso com meu peito acelerado no medo. Pisava em campo minado, cada passo um ensaio para a fuga, não por acaso tanto suor, pisava em terra de ninguém, bairro arriscado, penumbra, a memória daquele asfalto conta estórias de arrancar a alma dos mais deslumbrados, só necessidade me fazia andar ali. Já quase enxergava meu destino, mais uns trezentos metros, atravessar a avenida e meia quadra à esquerda. Mas um evento começava a se desdobrar bem perto. Percebo que não estou sozinho. Passos frenéticos, uma corrida. Meu corpo para aguardando outros sinais. Na avenida, a duas quadras, uma mulher corre em desatino abraçada a um pacote, cabelos trançando no pescoço, cobrindo a visão, aspecto de fuga. Os passos dobram. Logo depois, um homem, olhar fixo, casaco escuro, passadas fortes. Ela se esforça, olha pra trás grita alguma coisa, seus passos desgarram, ensaia a queda que parece inevitável, manca, arrasta os sapatos. A distância é mínima, uma extensão de braço. Minha boca seca, as pupilas saltam, o corpo me prepara para o espanto. Não há mais distância. Ele agora grita também, ele a alcança, ele a ultrapassa, agora correm os dois olhando pra trás. O ar fica denso, tenho o ímpeto de mergulhar em qualquer sombra, temo a força que evoca a urgência daquela fuga. Súbito o cenário se completa, não há mais mistério, penso brevemente na força dos significados que damos ao caos do mundo. O ônibus se aproxima.
Melhor eu correr também.
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