ESPÍRITO DO DAR

Em forma de recordar que o Natal é todos os dias, conto-vos um dos meus Natais:

Hora zero de uma noite fria, acalentada pelo brilho de enfeites luzidios, que reflectem o piscar multicolor de sustentáculos cintilantes como se estrelas fossem, iluminando a noite numa bonança, que pernoita diante de um sublime manto branco de neve, todo pintado a gelo.

A alegria vagueia pelas ruas sem deixar pegadas, flutuando um silêncio interrompido por uma sinfonia de emoções, escutando melodias que tilintam no espaço e no ego o espírito do Dar!

Ao olhar através da vidraça que expunha a rua nessa noite, encontrava-a trajada de encantamento, como sucedia em todas as ruas, encontrei-a coberta por um costume de mil pigmentações em combinações de paz e concordância!

Eu estava solitário, vigilante e submisso a este deslumbramento que só a alma entende, a qual nos transfere no bater do coração.

Ao ecoar a décima segunda badalada dessa noite gélida, escutei o ranger da minha porta, uma voz de silêncio que já havia ousado mostrar-se, proferiu à minha mente:

- Sou o Dar, esquecido pelos povos trezentos e sessenta dias por ano, tenciono esta mácula desabafar.

Não sei se hipnotizado ou se havia enlouquecido, mas abstraí a minha mão a regular-se pelo Dar e, ortografei o seu desabafo descontente e tão penetrante, que se podia escutar o pesar que me ditava:

- Sou feto concebido no ventre do vosso carácter, sob a forma de um sentimento que dais à luz num costume de horas contadas num impar. Deveis cortar ao Dar o cordão umbilical, e deixá-lo coabitar menino a crescer em vós, dando-me voz todos os dias do ano.

Dar, deambulava na minha alma à procura de se libertar, ou de juntar-se com o seu irmão - Receber - na aberta de uma consciência que soltamos numa comoção, que manifestamos quando dissolvidos na áurea Natalícia que nos transmuda a moral, superabundante de uma pobreza de afirmação humana, conquistada pela razão.

Sem senão, o nosso ser quer partilhar o receber com o Dar.

Dar, passou o tempo à janela do meu olhar, presente num estender a mão a quem não espera por nós e, de nós carece como alimento à esperança desaparecida, na fome de um contentamento, evacuada numa lágrima que inunda um rosto de solidão e esgotada num clamor mudo em demanda de paz.

Dar, brinca no nosso sorriso quando sorrimos despretensiosos, intencionados a ajudar sem imodéstia, numa troca de emoções compartilhadas num pranto de alegria.

Como suspiro de satisfação, entregue por veneração a um fascínio natural sem ilusionismos ao obséquio de ser gente.

Dar, é uma criança que se agiganta adulto nas nossas carências ou aptidões, de receber sem anseio o beijo do sorriso de uma criança, abrilhantado num olhar que agradece inocente a nossa melhor oferenda, agasalhada de quentura despretensiosa, dádiva de amor humano.

Dar, está aceso em nós, quando sabemos receber o dar de alguém.

Dar, não se dá, partilha-se cedendo o que recebemos, um olá num olhar sincero, a carícia de uma mão sem interesse, um beijo que não impõe retorno numa oferta que não aguarda restituição, um sorriso de uma cooperação autêntica, um abraço que compreende a adversidade de qualquer um, o interiorizar uma palavra graciosa, o aceitar da incorrecção e imperfeição do comparável simples mortal.

De repente, acordo recheado de existência em mim, sobre um papel manuscrito sem memória, e já o Sol da manhã me dava um benéfico dia.

Sem saber se havia devaneado, sentia-me desconforme por algo que me havia alegrado o profundo do meu ser, soberbo pela mensagem do Dar.

Considerei estar demente, mas não.

O espírito do Dar murmurou para mim, e lá estava eu, na vidraça, enxergando a minha rua trajada pela claridade do Sol, fazendo jus à concórdia de um mundo por sensibilizar.

Elevo-me, em harmonia e entorno meu olhar lá para fora.

Vi-a, agora a minha rua guarnecida de crianças, turbulentas de júbilo, arrojadas de glória, inábeis de ocultar a sua transparente e radiante felicidade.

- É o Dar! É o Dar! - Ouviu-se…

Submited by

Domingo, Febrero 28, 2010 - 01:22

Prosas :

Sin votos aún

Henrique

Imagen de Henrique
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 9 años 33 semanas
Integró: 03/07/2008
Posts:
Points: 34815

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of Henrique

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Fotos/Arte Para viver, estar vivo não basta! 0 2.824 03/26/2013 - 14:20 Portuguese
Fotos/Arte Acordar ... 0 4.786 03/26/2013 - 14:18 Portuguese
Fotos/Arte São as palavras as paredes do meu lugar ... 0 1.548 03/26/2013 - 14:16 Portuguese
Fotos/Arte Que a nossa pele não sirva de tela ao tempo ... 0 2.289 03/26/2013 - 14:14 Portuguese
Fotos/Arte O beijo diz tudo quanto a alma quer ouvir ... 0 3.596 03/26/2013 - 14:12 Portuguese
Fotos/Arte Antes envelhecer sem dar conta, que ficar velho de repente ... 0 2.650 03/23/2013 - 18:04 Portuguese
Fotos/Arte A poesia é uma mulher bonita ... 0 2.710 03/23/2013 - 18:02 Portuguese
Fotos/Arte Que números a noite veste? 0 1.788 03/23/2013 - 17:59 Portuguese
Fotos/Arte De que nos vale sonhar se não acordarmos? 0 2.829 03/23/2013 - 17:58 Portuguese
Fotos/Arte A poesia ... 0 6.056 03/23/2013 - 17:55 Portuguese
Poesia/Intervención A POESIA É A ESTRELA DA NOITE … 0 1.648 03/21/2013 - 23:43 Portuguese
Poesia/Tristeza A LUA DOS TEUS LUARES … 0 905 03/20/2013 - 23:03 Portuguese
Poesia/Amor NÃO CHORES … 0 1.278 03/19/2013 - 23:59 Portuguese
Fotos/Arte Amo-te pai ... 0 1.804 03/19/2013 - 00:41 Portuguese
Poesia/Meditación SAGACIDADE … 0 1.096 03/17/2013 - 23:06 Portuguese
Fotos/Arte O tempo apenas sabe o que a idade lhe ensina … 1 3.824 03/16/2013 - 23:08 Portuguese
Poesia/Tristeza PORTA ABERTA … 1 1.056 03/16/2013 - 23:05 Portuguese
Fotos/Arte Quem pensa que não muda ... 1 1.851 03/16/2013 - 23:03 Portuguese
Videos/Musica LeAnn Rimes - Can't Fight The Moonlight 0 3.495 03/15/2013 - 23:13 Portuguese
Poesia/Meditación O SILÊNCIO DOS SILÊNCIOS É NÃO AMAR … 0 753 03/15/2013 - 22:07 Portuguese
Poesia/Tristeza OLHOS SEM PALAVRAS … 0 1.217 03/14/2013 - 23:28 Portuguese
Poesia/Meditación LUARES DE CULPA … 0 1.493 03/12/2013 - 23:26 Portuguese
Fotos/Arte Quem não se inventa, não existe... 0 1.634 03/12/2013 - 01:42 Portuguese
Fotos/Arte Depois de errarmos: 0 2.932 03/12/2013 - 01:37 Portuguese
Fotos/Arte Sem fim nada começa... 0 2.728 03/12/2013 - 01:34 Portuguese