Hinos do Profeta - Lágrimas de sangue

Taedet animam meam vitae meae.
JOB

Ao pé das aras, ao clarão dos círios,
Eu te devera consagrar meus dias...
Perdão, meu Deus! perdão...
Se neguei meu Senhor nos meus delírios
E um canto de enganosas melodias
Levou meu coração!

Só tu, só tu podias o meu peito
Fartar de imenso amor e luz infinda
E uma saudade calma!
Ao sol de tua fé doirar meu leito
E de fulgores inundar ainda
A aurora na minh'alma.

Pela treva do espírito lancei-me,
P'ras esperanças suicidei-me rindo...
Sufocando-as sem dó...
No vale dos cadáveres sentei-me
E minhas flores semeei sorrindo
Dos túmulos no pó.

Indolente Vestal, deixei no templo
A pira se apagar! na noite escura
O meu gênio descreu...
Voltei-me para a vida... só contemplo
A cinza da ilusão que ali murmura:
Morre! — tudo morreu!

Cinzas, cinzas... Meu Deus! só tu podias
À alma que se perdeu bradar de novo:
— Ressurge-te ao amor!
Macilento, das minhas agonias
Eu deixaria as multidões do povo
Para amar o Senhor!

Do leito aonde o vício acalentou-me
O meu primeiro amor fugiu chorando...
Pobre virgem de Deus!
Um vendaval sem norte arrebatou-me,
Acordei-me na treva... profanando
Os puros sonhos meus!

Oh! se eu pudesse amar!... — É impossível!
Mão fatal escreveu na minha vida...
A dor me envelheceu...
O desespero pálido, impassível,
Agoirou minha aurora entristecida,
De meu astro descreu...

Oh! se eu pudesse amar! Mas não: agora
Que a dor emurcheceu meus breves dias,
Quero na cruz sanguenta
Derramá-los na lágrima que implora,
Que mendiga perdão pela agonia
Da noite lutulenta!

Quero na solidão... nas ermas grutas
A tua sombra procurar chorando
Com meu olhar incerto...
As pálpebras doridas nunca enxutas
Queimarei... teus fantasmas invocando
No vento do deserto.

De meus dias a lâmpada se apaga,
Roeram meu viver mortais venenos,
Curvo-me ao vento forte:
Teu fúnebre clarão que a noite alaga,
Como a estrela oriental, me guie ao menos
' Té ao vale da morte!

No mar dos vivos o cadáver bóia,
A lua é descorada como um crânio,
Este sol não reluz...
Quando na morte a pálpebra se engóia,
O anjo desperta em nós e subitânio
Voa ao mundo da luz!

Do val de Josafá pelas gargantas
Uiva na treva o temporal sem norte
E os fantasmas murmuram...
Irei deitar-me nessas trevas santas,
Banhar-me na friez lustral da morte,
Onde as almas se apuram!

Mordendo as clinas do corcel da sombra,
Sufocado, arquejante passarei
Na noite do infinito...
Ouvirei essa voz que a treva assombra,
Dos lábios de minh'alma entornarei
O meu cântico aflito!

Flores cheias de aroma e de alegria,
Por que na primavera abrir cheirosas
E orvalhar-vos abrindo?
As torrentes da morte vêm sombrias,
Hão de amanhã nas águas tenebrosas
Vos arrastar bramindo.

Morrer! morrer! — É voz das sepulturas!
Como a lua nas salas festivais
A morte em nós se estampa!
E os pobres sonhadores de venturas
Roxeiam amanhã nos funerais
E vão rolar na campa!

Que vale a glória, a saudação que enleva
Dos hinos triunfais na ardente nota
E as turbas devaneia?
Tudo isso é vão e cala-se na treva...
— Tudo é vão, como em lábios de idiota
Cantiga sem idéia.

Que importa? quando a morte se descarna,
A esperança do céu flutua e brilha
Do túmulo no leito:
O sepulcro é o ventre onde se encarna
Um verbo divinal que Deus perfilha
E abisma no seu peito!

Não chorem! que essa lágrima profunda
Ao cadáver sem luz não dá conforto...
Não o acorda um momento!
Quando a treva medonha o peito inunda,
Derrama-se nas pálpebras do morto
Luar de esquecimento!

Caminha no deserto a caravana,
Numa noite sem lua arqueja e chora...
O termo... é um sigilo!
O meu peito cansou da vida insana,
Da cruz à sombra, junto aos meus, agora,
Eu dormirei tranqüilo!

Dorme ali muito amor... muitas amantes,
Donzelas puras que eu sonhei chorando
E vi adormecer...
Ouço da terra cânticos cânticos errantes
E as almas saudosas suspirando
Que falam em morrer...

Aqui dormem sagradas esperanças,
Almas sublimes que o amor erguia...
E gelaram tão cedo!
Meu pobre sonhador! aí descansas,
Coração que a existência consumia
E roeu em segredo!

Quando o trovão romper as sepulturas,
Os crânios confundidos acordando
No lodo tremerão...
No lodo pelas tênebras impuras
Os ossos estalados tiritando
Dos vales surgirão!

Como rugindo a chama encarcerada
Dos negros flancos do vulcão rebenta
Golfejando nos céus,
Entre nuvem ardente e trovejada
Minh'alma se erguerá, fria, sangrenta,
Ao trono de meu Deus...

Perdoa, meu Senhor! O errante crente
Nos desesperos em que a mente abrasas
Não o arrojes p'lo crime!
Se eu fui um anjo que descreu demente
E no oceano do mal rompeu as asas,
Perdão! arrependi-me!

Submited by

Martes, Abril 14, 2009 - 00:50

Poesia Consagrada :

Sin votos aún

AlvaresdeAzevedo

Imagen de AlvaresdeAzevedo
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 14 años 21 semanas
Integró: 04/14/2009
Posts:
Points: 303

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of AlvaresdeAzevedo

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Fotos/Perfil Alvares de Azevedo 0 1.972 11/24/2010 - 00:37 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Noite na Taverna (Capítulo IV — Gennaro) 0 2.094 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Noite na Taverna (Capítulo V — Claudius Hermann) 0 2.555 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Noite na Taverna (Capítulo VI — Johann) 0 1.937 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Noite na Taverna (Capítulo VII — Último Beijo de Amor) 0 1.527 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Macário - Introdução 0 1.467 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Macário - Primeiro episódio 0 1.230 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Macário - Segundo episódio 0 1.282 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Sombra de D. Juan 0 1.339 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Na várzea 0 1.252 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General O editor 0 1.471 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Oh! Não maldigam! 0 1.739 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Dinheiro 0 1.438 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Adeus, meus sonhos! 0 1.460 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Minha desgraça 0 1.552 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Página rota 0 1.274 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Noite na Taverna (Capítulo I — Uma noite do século) 0 1.561 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Noite na Taverna (Capítulo II — Solfieri) 0 2.036 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Noite na Taverna (Capítulo III — Bertram) 0 3.106 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Panteísmo 0 1.148 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Desânimo 0 1.222 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General O lenço dela 0 1.294 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Relógios e beijos 0 1.543 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Namoro a cavalo 0 1.679 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Pálida imagem 0 1.332 11/19/2010 - 16:52 Portuguese