Eutanásia

Ergue-te daí, velho! ergue essa fronte onde o passado afundou suas rugas como o vendaval no Oceano, onde a morte assombrou sua palidez como na face do cadáver, onde o simoun do tempo ressicou os anéis louros do mancebo nas cãs alvacentas de ancião?

Por que tão lívido, ó monge taciturno, debruças a cabeça macilenta no peito que é murcho, onde mal bate o coração sobre a cogula negra do asceta?

Escuta: a lua ergueu-se hoje mais prateada nos céus cor-de-rosa do verão, as montanhas se azulam no crepuscular da tarde e o mar cintila seu manto azul palhetado de aljôfares. A hora da tarde é bela, quem aí na vida lhe não sagrou uma lágrima de saudade?

Tens os olhares turvos, luzem-te baços os olhos negros nas pálpebras roxas e o beijo frio da doença te azulou nos lábios a tinta do moribundo. E por que te abismas em fantasias profundas, sentado à borda de um fosso aberto, sentado na pedra de um túmulo?

Por que pensá-la... a noite dos mortos, fria e trevosa como os ventos de inverno? Por que antes não banhas tua fronte nas virações da infância, nos sonhos de moço? Sob essa estamenha não arfa um coração que palpitara outrora por uns olhos gázeos de mulher?

Sonha!... sonha antes no passado, no passado belo e doirado em seu dossel de escarlate, em seus mares azuis, em suas luas límpidas e suas estrelas românticas.

O velho ergueu a cabeça. Era uma fronte larga e calva, umas faces contraídas e amarelentas, uns lábios secos, gretados, em que sobreaguava amargo sorriso, uns olhares onde a febre tresnoitava suas insônias...

E quem to disse — que a morte é a noite escura e fria, o leito de terra úmida, a podridão e o lodo? Quem to disse — que a morte não era mais bela que as flores sem cheiro da infância, que os perfumes peregrinos e sem flores da adolescência? Quem to disse — que a vida não é uma mentira? — que a morte não é o leito das trêmulas venturas?

Submited by

Martes, Abril 14, 2009 - 01:29

Poesia Consagrada :

Sin votos aún

AlvaresdeAzevedo

Imagen de AlvaresdeAzevedo
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 14 años 22 semanas
Integró: 04/14/2009
Posts:
Points: 303

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of AlvaresdeAzevedo

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Fotos/Perfil Alvares de Azevedo 0 1.985 11/24/2010 - 00:37 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Noite na Taverna (Capítulo IV — Gennaro) 0 2.105 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Noite na Taverna (Capítulo V — Claudius Hermann) 0 2.556 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Noite na Taverna (Capítulo VI — Johann) 0 1.946 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Noite na Taverna (Capítulo VII — Último Beijo de Amor) 0 1.544 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Macário - Introdução 0 1.489 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Macário - Primeiro episódio 0 1.237 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Macário - Segundo episódio 0 1.285 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Sombra de D. Juan 0 1.356 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Na várzea 0 1.253 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General O editor 0 1.486 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Oh! Não maldigam! 0 1.748 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Dinheiro 0 1.440 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Adeus, meus sonhos! 0 1.472 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Minha desgraça 0 1.564 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Página rota 0 1.287 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Noite na Taverna (Capítulo I — Uma noite do século) 0 1.569 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Noite na Taverna (Capítulo II — Solfieri) 0 2.054 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Noite na Taverna (Capítulo III — Bertram) 0 3.112 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Panteísmo 0 1.153 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Desânimo 0 1.227 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General O lenço dela 0 1.312 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Relógios e beijos 0 1.583 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Namoro a cavalo 0 1.695 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/General Pálida imagem 0 1.337 11/19/2010 - 16:52 Portuguese