Ao Dr. João Duarte Lisboa Serra

23 agosto.

Mais um pungir de acérrima saudade,
Mais um canto de lágrimas ardentes,
Oh! minha Harpa, - oh! minha Harpa desditosa.

Escuta, ó meu amigo: da minha alma
Foi uma lira outrora o instrumento;
Cantava nela amor, prazer, venturas,
Até que um dia a morte inexorável
Triste pranto de irmão veio arrancar-te!

As lágrimas dos olhos me caíram,
E a minha lira emudeceu de mágoa!
Então aventei eu que a vida inteira
Do bardo, era um perene sacerdócio
De lágrimas e dor; - tomei uma Harpa:
Na corda da aflição gemeu minha alma,
Foi meu primeiro canto um epicédio!
Minha alma batizou-se em pranto amargo,
Na frágua do sofrer purificou-se!

Lancei depois meus olhos sobre o mundo,
Cantor do sofrimento e da amargura;
E vi que a dor aos homens circundava,
Como em roda da terra o mar se estreita;
Que apenas desfrutamos, - miserandos!
Desbotado prazer entre mil dores,
- Uma rosa entre espinhos aguçados,
Um ramo entre mil vagas combatido.

Voltou-se então p'ra Deus o meu esp'rito,
E a minha voz queixosa perguntou-lhe:
- Senhor, porque do nada me tiraste,
Ou por que a tua voz onipotente
Não fez secar da minha vida a sebe,
Quando eu era principio e feto - apenas?

Outra voz respondeu-me dentro d'alma:
- Ardam teus dias como o feno, - ou durem
Como o fogo de tocha resinosa,
- Como rosa em jardim sejam brilhantes,
Ou baços como o cardo montesinho.
Não deixes de cantar, ó triste bardo. -
E as cordas da minha harpa - da primeira
À extrema - da maior à mais pequena,
Nas asas do tufão - entre perfumes,
Um cântico de amores exaltaram
Ao trono do Senhor; - e eu disse às turbas:
- Ele nos faz gemer porque nos ama;
Vem o perdão nas lágrimas contritas,

Nas asas do sofrer desce a demência;
Sobre quem chora mais ele mais vela!
Seu amor divinal é como a lâmpada,
Na abóbada dum templo pendurada,
Mais luz filtrando em mais opacas trevas.
Eu o conheço: - o cântico do bardo
É bálsamo ao que morre, - é lenitivo,
Mas doloroso, mas funéreo e triste
A quem lhe carpe infausto a morte crua.
Mas quando a alma do justo, espedaçando
O invólucro de lodo, aos céus remonta,
Como estrada de luz correndo os astros,
Seguindo o som dos cânticos dos anjos
Que na presença do Senhor se elevam;
Choro... tão bem Jesus chorou a Lázaro!
Mas na excelsa visão que se me antolha
Bebo consolações, - minha alma anseia
A hora em que também há de asilar-se
No seio imenso do perdão do Eterno.

Chora, amigo: porém quando sentires
O pranto nos teus olhos condensar-se,
Que já não pode mais banhar-te as faces,
Ergue os olhos ao céu, onde a luz mora,
Onde o orvalho se cria, onde parece
Que a tímida esperança nasce e habita.
E se eu - feliz! - puder inda algum dia
Ferir por teu respeito na minha harpa
A leda corda onde o prazer palpita,
A corda do prazer que ainda inteira,
Que virgem de emoção inda conservo,
Suspenderei minha harpa dalgum tronco
Em of'renda à fortuna; - ali sozinha,
Tangida pelo sopro só do vento,
Há de mistérios conversar co'a noite.
De acorde estreme perfumando as brisas:
Qual Harpa de Sião presa aos salgueiros
Que não há de cantar a desventura,
Tendo cantos gentis vibrado nela.

Submited by

Lunes, Abril 27, 2009 - 03:54

Poesia Consagrada :

Sin votos aún

AntonioGoncalvesDias

Imagen de AntonioGoncalvesDias
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 14 años 22 semanas
Integró: 04/27/2009
Posts:
Points: 288

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of AntonioGoncalvesDias

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Fotos/Perfil Gonçalves Dias 0 1.436 11/24/2010 - 00:37 Portuguese
Poesia Consagrada/General Rosa no mar! 0 1.102 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Sempre ela 0 1.160 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Se muito sofri já, não me perguntes 0 991 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Amor Se se morre de amor 0 2.037 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Sobre o túmulo de um menino 0 1.086 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Voltas e mortes glosados 0 1.294 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Zulmira 0 1.249 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Minha terra! 0 1.285 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Não me deixes! 0 990 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General No jardim! 0 1.158 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Amor O Amor 0 1.846 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General O Gigante de Pedra 0 1.044 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Oh! Que acordar! 0 1.091 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Olhos Verdes 0 1.115 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General O que mais dói na vida 0 1.042 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Palinódia 0 1.071 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Pensas tu, bela Anarda, que os poetas 0 1.489 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Que me Pedes 0 1.108 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Retratação 0 1.465 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Rola 0 1.582 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General A Tempestade 0 1.289 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General As artes são irmãs 0 1.101 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General As duas coroas 0 1.549 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Canção 0 1.125 11/19/2010 - 16:54 Portuguese