Adeus

Aos meus amigos do Maranhão

Meus amigos, Adeus! Já no horizonte
O fulgor da manhã se empurpurece:
É puro e branco o céu, - as ondas mansas,
- Favorável a brisa; - irei de novo
Sorver o ar puríssimo das ondas,
E na vasta amplidão dos céus e mares
De vago imaginar embriagar-me!
Meus Amigos, Adeus! - Verei fulgindo
A lua em campo azul, e o sol no ocaso
Tingir de fogo a implacidez das águas;
Verei hórridas trevas lento e lento
Desceram, como um crepe funerário
Em negro esquife, onde repoisa a morte;
Verei a tempestade quando alarga
As negras asas de bulcões, e as vagas
Soberbas encastela, esporeando
O curto bojo de ligeiro barco,
Que geme, e ruge, e empina-se insofrido
Galgando os escarcéus, - bem larga esteira
De fósforo e de luz trás si deixando:
Generoso corcel, que sente as cruzes
Agudas de teimosos acicates
Lacerarem-lhe rábidas o ventre.

Inda uma vez, Adeus! Curtos instantes
De inefável prazer - horas bem curtas
De ventura e de paz frui convosco:
Oásis que encontrei no meu deserto,
Tépido vale entre fragosas serras
Virente derramado, foi a quadra
Da minha vida, que passei convosco.
Aqui de quanto amei, do que hei sofrido,
De tudo quanto almejo, espero, ou temo
Deslembrado vivi! - Oh! quem me dera
Que entre vós outros me alvejasse a fronte,
E que eu morresse entre vós! Mas força oculta,
lrresistível, me persegue e impele.
Qual folha instável em ventoso estio
Do vento ao sopro a esvoaçar sem custo;
Assim vou eu sem tino, - aqui pegadas
Mal firmes assentando - além pedaços
De mim mesmo deixando. Na floresta
O lasso viandante extraviado
Por todo o verde bosque estende os olhos,
E cansado esmorece, - cai, medita,
Respira mais de espaço, cobra alento,
E nas solidões de novo ei-lo se entranha.
Vestígios mal seguros sopra o vento,
Ou nivela-os a chuva, ou relva os cobre:
Talvez que folhas ásperas de arbusto
Mordam velos da túnica, e denotem
(Duvida o viajor, que os vê com pasmo)
Que errante caminheiro ali passasse.
E eu parti! - Não chorei, que do meu pranto
A larga fonte jaz de há muito exausta;
Há muito que os meus olhos não gotejam
O repassado fel d'acre amargura;
E o pranto no meu peito represado
Em cinza o coração me há convertido.
É assim que um vulcão se torna fonte
De linfa amarga e quente; e a fonte em ermo,
Onde não crescem perfumadas flores,
Nem tenras aves seus gorjeios soltam,
Nem triste viajor encontra abrigo.

Rasgado o coração de pena acerba,
Transido de aflições, cheio de mágoa,
Miserando parti! tal quando réprobo,
Adão, cobrindo os olhos co'as mãos ambas,
Em meio a sua dor só descobria
Do Arcanjo os candidíssimos vestidos,
E os lampejos da espada fulminante,
Que o Éden tão mimoso lhe vedava.
Porém quando algum dia o colorido
Das vivas ilusões, que inda conservo,
Sem força esmorecer, - e as tão viçosas
Esp'ranças, que eu educo, se afundarem
Em mar de desenganos; - a desgraça
Do naufrágio da vida há de arrojar-me
A praia tão querida, que ora deixo,
Tal parte o desterrado: um dia as vagas
Hão de os seus restos rejeitar na praia,
Donde tão novo se partira, e onde
Procura a cinza fria achar jazigo.

Submited by

Lunes, Abril 27, 2009 - 04:07

Poesia Consagrada :

Sin votos aún

AntonioGoncalvesDias

Imagen de AntonioGoncalvesDias
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 14 años 19 semanas
Integró: 04/27/2009
Posts:
Points: 288

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of AntonioGoncalvesDias

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Fotos/Perfil Gonçalves Dias 0 1.401 11/24/2010 - 00:37 Portuguese
Poesia Consagrada/General Rosa no mar! 0 1.069 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Sempre ela 0 1.122 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Se muito sofri já, não me perguntes 0 973 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Amor Se se morre de amor 0 2.008 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Sobre o túmulo de um menino 0 1.047 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Voltas e mortes glosados 0 1.271 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Zulmira 0 1.222 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Minha terra! 0 1.242 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Não me deixes! 0 969 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General No jardim! 0 1.142 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Amor O Amor 0 1.823 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General O Gigante de Pedra 0 1.032 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Oh! Que acordar! 0 1.057 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Olhos Verdes 0 1.098 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General O que mais dói na vida 0 1.021 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Palinódia 0 1.044 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Pensas tu, bela Anarda, que os poetas 0 1.474 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Que me Pedes 0 1.092 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Retratação 0 1.445 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Rola 0 1.554 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General A Tempestade 0 1.248 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General As artes são irmãs 0 1.073 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General As duas coroas 0 1.533 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Canção 0 1.117 11/19/2010 - 16:54 Portuguese