Retratação

Perdoa as duras frases que me ouviste:
Vê que inda sangra o coração ferido,
Vê que inda luta moribundo em ánsias
Entre as garras da morte.

Sim, eu devera moderar meu pranto,
Sofrear minhas iras vingativas,
Deixar que as minhas lágrimas corressem
Dentro do peito em chaga.

Sim, eu devera confranger meus lábios,
Mordê-los té que o sangue espadanasse,
Afogar na garganta a ultriz sentença,
Apagá-la em meu sangue.

Sim, eu devera comprimir meu peito,
Conter meu coração, que não pulsasse,
Apagado vulcão, que inda fumega,
Que faz, que jorra cinzas?

Que m'importava a mim teu fingimento,
Se uma hora fui feliz quando te amava,
Se ideei breve sonho de venturas,
Dormindo em teu regaço;

Luz mimosa de amor, que te apagaste,
Ou gota pura de cristal luzente
Filtrando os poros de uma rocha a custo,
Caída em negro abismo!

Devera pois meu pranto borrifar-te
Amigo e benfazejo, como aljôfar
De branco orvalho em pérolas tornado
Num cálice de flor;

Não converter-se em pedras de saraiva,
Em chuva de granizo fulminante,
Que em chão de morte as pétalas viçosas
Desfolhasse entreabertas.

—————

Feliz o doce poeta,
Cuja lira sonora
Ressoa como a queixosa,
Trépida fonte a correr;
Que só tem palavras meigas,
Brandos ais, brandos acentos,
Cuja dor, cestos tormentos
Sabe-os no peito esconder!

Feliz o doce poeta,
Que não andou em procura
De terrena formosura,
Nem as graças lhe notou!
Que lhe não deu sua lira,
Que lhe não deu seus cantares,
Que lhe não deu seus pesares,
Nem junto dela quedou!

Antes na mente escaldada
Forma um composto divino
De algum ente peregrino,
De algum dos filhos dos céus;
E ante essa imagem criada,
Que vê sempre noite e dia,
Dobra as leis da fantasia,
Acurva os desejos seus.

É dela quando se carpe,
É dela quando suspira,
É dela quando na lira
Entoa um canto feliz:
Dela acordado ou dormindo,
Dela na vida ou na morte,
Tenha alegre ou triste sorte,
Seja Laura ou Beatriz!

Que talvez a doce imagem,
A cismada fantasia
Há de o poeta algum dia
Junto de Deus encontrar;
E que havendo-a produzido
Antes do mundo formado,
Dê-lhe um sonhar acordado
Por um viver a sonhar!

Submited by

Lunes, Abril 27, 2009 - 04:33

Poesia Consagrada :

Sin votos aún

AntonioGoncalvesDias

Imagen de AntonioGoncalvesDias
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 14 años 21 semanas
Integró: 04/27/2009
Posts:
Points: 288

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of AntonioGoncalvesDias

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Fotos/Perfil Gonçalves Dias 0 1.418 11/24/2010 - 00:37 Portuguese
Poesia Consagrada/General Rosa no mar! 0 1.079 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Sempre ela 0 1.144 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Se muito sofri já, não me perguntes 0 978 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Amor Se se morre de amor 0 2.017 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Sobre o túmulo de um menino 0 1.066 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Voltas e mortes glosados 0 1.277 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Zulmira 0 1.231 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Minha terra! 0 1.261 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Não me deixes! 0 973 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General No jardim! 0 1.150 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Amor O Amor 0 1.835 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General O Gigante de Pedra 0 1.036 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Oh! Que acordar! 0 1.068 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Olhos Verdes 0 1.103 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General O que mais dói na vida 0 1.029 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Palinódia 0 1.054 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Pensas tu, bela Anarda, que os poetas 0 1.479 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Que me Pedes 0 1.096 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Retratação 0 1.451 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Rola 0 1.562 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General A Tempestade 0 1.261 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General As artes são irmãs 0 1.088 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General As duas coroas 0 1.543 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Canção 0 1.121 11/19/2010 - 16:54 Portuguese