Casimiro de Abreu : Carolina – Capítulo VI : A Última Hora

Um mês depois, nos últimos dias de agosto, Carolina gemia agonizante em Setúbal.

Que coração de mulher resistiria a tantas comoções?

Com a cabeça formosa recostada no travesseiro, firme e resignada, ouvia ela da boca do sacerdote as doces e consoladoras palavras do Evangelho.

Sobre uma pequena mesa via-se um crucifixo entre duas velas acesas, que espalhavam pelo quarto a sua claridade mortuária.

Oh! triste e solene hora do passamento! Como se patenteia então eloqüente o nada das grandezas humanas!...

— Filha, dizia-lhe o padre, com sua voz suave; lembrai-vos só de Deus, diante do Qual ides em breve comparecer. Arrependei-vos, filha, e Ele que é um Deus de bondade e misericórdia há-de perdoar-vos.

— Deus perdoa-me, padre?

— Perdoa-vos, sim, filha.

— Então morro contente; mas eu também queria levar outro perdão da terra.

— Dizei, filha.

— É o de meus pais, que eu abandonei, padre; mas eu amava-os muito.

— Também te devem perdoar, filha, porque Deus manda que se perdoe.

— Ainda falta outro, padre.

— Dizei, filha.

— É um homem que eu amei muito, padre, e que ainda amo.

— Fizestes-lhe mal, filha?

— Traí-o, padre, disse ela chorando.

— Descansa, filha, ele também te há-de perdoar.

— Meu padre, queria pedir-vos um favor.

— Falai, filha.

— É de enviardes para Lisboa a carta que está sobre aquela mesa; é o último adeus que eu digo àquele homem.

— Eu enviarei a carta, filha. Mas por que chorais? são ainda lembranças deste mundo, que vos pungem? Já vos arrependestes sinceramente de tudo: pois bem; desligai o pensamento de tudo que é terrestre, mesquinho e pequeno, e pensai em Deus, sublime e grande.

— Padre, padre, eu vou morrer! repeti-me que Deus me perdoa.

O padre aproximou-se e curvado sobre o leito dizia-lhe:

— Minha filha, Deus é bom, Deus perdoa quando Seus filhos se arrependem como vós vos arrependestes.

— Minha pobre mãe, adeus! murmurava a agonizante, perdoa a tua filha, meu pai!

Depois um tremor percorreu-lhe os membros, um soluço saiu de seu peito e fazendo um último esforço disse: adeus... Au... gus... e a voz expirou-lhe nos lábios e a cabeça pendeu para o lado, sem um gemido.

Estava morta.

O padre contemplou-a um instante, mudo e enternecido.

— Morreu! disse ele enxugando uma lágrima, ainda tão jovem! Foi o mundo que a matou.

Submited by

Sábado, Mayo 23, 2009 - 21:16

Poesia Consagrada :

Sin votos aún

CasimirodeAbreu

Imagen de CasimirodeAbreu
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 14 años 19 semanas
Integró: 05/23/2009
Posts:
Points: 234

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of CasimirodeAbreu

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Fotos/Perfil Casimiro de Abreu 0 1.779 11/23/2010 - 23:38 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : *** 0 1.509 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Fragmento 0 1.374 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Anjo! 0 1.846 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Última folha 0 1.228 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Dedicada Casimiro de Abreu : À morte de Affonso de A. Coutinho Nesseder estudante da Escola Central 0 1.523 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Berço e túmulo 0 1.367 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Infância 0 1.154 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : A uma platéia 0 1.457 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Tristeza Casimiro de Abreu : No túmulo dum menino 0 2.818 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Dedicada Casimiro de Abreu : A J. J. C. Macedo-Júnior 0 1.735 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Uma história 0 1.273 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Dedicada Casimiro de Abreu : No leito 0 1.703 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Pois não é?! 0 1.060 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Na estrada 0 1.350 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : No jardim 0 1.351 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Tristeza Casimiro de Abreu : Horas tristes 0 2.187 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Dores 0 1.252 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Amor e medo 0 1.295 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Perdão! 0 1.246 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Mocidade 0 1.291 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Noivado 0 1.160 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : De joelhos 0 1.473 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Três cantos 0 1.436 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Ilusão 0 1.122 11/19/2010 - 15:54 Portuguese