Casimiro de Abreu : Canto de amor

A M.***

I
Eu vi-a e minha alma antes de vê-la
Sonhara-a linda como agora a vi;
Nos puros olhos e na face bela,
Dos meus sonhos a virgem conheci.

Era a mesma expressão, o mesmo rosto,
Os mesmos olhos só nadando em luz,
E uns doces longes, como dum desgosto.
Toldando a fronte que de amor seduz!

E seu talhe era o mesmo, esbelto, airoso
Como a palmeira que se ergue ao ar,
Como a tulipa ao pôr-do-sol saudoso,
Mole vergando à viração do mar.

Era a mesma visão que eu dantes via,
Quando a minha alma transbordava em fé;
E nesta eu creio como na outra eu cria,
Porque é a mesma visão, bem sei que é!

No silêncio da noite a virgem vinha
Soltas as tranças junto a mim dormir;
E era bela, meu Deus, assim sozinha
No seu sono d'infante inda a sorrir!...

........................
.

II
Vi-a e não vi-a! Foi num só segundo,
Tal como a brisa ao perpassar na flor,
Mas nesse instante resumi um mundo
De sonhos de ouro e de encantado amor.

O seu olhar não me cobriu d'afago,
E minha imagem nem sequer guardou,
Qual se reflete sobre a flor dum lago
A branca nuvem que no céu passou.

A sua vista espairecendo vaga,
Quase indolente, não me viu, ai, não!
Mas eu que sinto tão profunda a chaga
Ainda a vejo como a vi então.

Que rosto d'anjo, qual estátua antiga
No altar erguida, já cabido o véu!
Que olhar de fogo, que a paixão instiga?
Que níveo colo prometendo um céu.

Vi-a e amei-a, que a minha alma ardente
Em longos sonhos a sonhara assim;
O ideal sublime, que eu criei na mente,
Que em vão buscava e que encontrei por fim!

III
P'ra ti, formosa, o meu sonhar de louco
E o dom fatal, que desde o berço é meu;
Mas se os cantos da lira achares pouco,
Pede-me a vida, porque tudo é teu.

Se queres culto - como um crente adoro,
Se preito queres - eu te caio aos pés,
Se rires - rio, se chorares - choro,
E bebo o pranto que banhar-te a tez.

Dá-me em teus lábios um sorrir fagueiro,
E desses olhos um volver, um só;
E verás que meu estro, hoje rasteiro,
Cantando amores s'erguerá do pó!

Vem reclinar-te, como a flor pendida,
Sobre este peito cuja voz calei:
Pede-me um beijo... e tu terás, querida,
Toda a paixão que para ti guardei.

Do morto peito vem turbar a calma,
Virgem, terás o que ninguém te dá;
Em delírios d'amor dou-te a minha alma,
Na terra, a vida, a eternidade - lá!

IV
Se tu, oh linda, em chama igual te abrasas,
Oh! não me tardes, não me tardes, - vem!
Da fantasia nas douradas asas
Nós viveremos noutro mundo - além!

De belos sonhos nosso amor povôo,
Vida bebendo nos olhares teus;
E como a garça que levanta o vôo,
Minha alma em hinos falará com Deus!

Juntas, unidas num estreito abraço,
As nossas almas uma só serão;
E a fronte enferma sobre o teu regaço
Criará poemas d'imortal paixão!

Oh! vem, formosa, meu amor é santo,
É grande e belo como é grande o mar,
E doce e triste como d'harpa um canto
Na corda extrema que já vai quebrar!

Oh! vem depressa, minha vida foge...
Sou como o lírio que já murcho cai!
Ampara o lírio que inda é tempo hoje!
Orvalha o lírio que morrendo vai!...

Rio - 1858.

Submited by

Sábado, Mayo 23, 2009 - 22:32

Poesia Consagrada :

Sin votos aún

CasimirodeAbreu

Imagen de CasimirodeAbreu
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 14 años 19 semanas
Integró: 05/23/2009
Posts:
Points: 234

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of CasimirodeAbreu

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Fotos/Perfil Casimiro de Abreu 0 1.779 11/23/2010 - 23:38 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : *** 0 1.509 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Fragmento 0 1.374 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Anjo! 0 1.845 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Última folha 0 1.226 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Dedicada Casimiro de Abreu : À morte de Affonso de A. Coutinho Nesseder estudante da Escola Central 0 1.518 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Berço e túmulo 0 1.366 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Infância 0 1.153 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : A uma platéia 0 1.456 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Tristeza Casimiro de Abreu : No túmulo dum menino 0 2.817 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Dedicada Casimiro de Abreu : A J. J. C. Macedo-Júnior 0 1.732 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Uma história 0 1.273 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Dedicada Casimiro de Abreu : No leito 0 1.702 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Pois não é?! 0 1.059 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Na estrada 0 1.350 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : No jardim 0 1.351 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Tristeza Casimiro de Abreu : Horas tristes 0 2.187 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Dores 0 1.252 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Amor e medo 0 1.295 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Perdão! 0 1.246 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Mocidade 0 1.291 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Noivado 0 1.160 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : De joelhos 0 1.473 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Três cantos 0 1.436 11/19/2010 - 15:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Ilusão 0 1.121 11/19/2010 - 15:54 Portuguese