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A Jóia - Ato Primeiro - Cena VII

Cena VII

Valentina, Joaquim de Carvalho

Carvalho (Deixando periódico.) - Impertinentes

são estes credores!

Valentina - São

por isso é que me coíbo

de dever muito;

Carvalho - E o recibo?

Pediste-lho?

Valentina - E por que não?

(Aproximando-se de Carvalho e passando-lhe o braço em volta do pescoço.)

Por que não vieste esta noite?

Ai, que saudades eu tive!

Para a mísera que vive

de teu amor, fero açoite

é tua ausência! Sozinha

a noite inteira passei...

Lembrei-me tanto... Nem sei

mesmo por quê...

Carvalho - Coitadinha!

Valentina (Sentando-se num tamborete, aos pés do Carvalho.)

- Porém. vamos lá saber:

e tu?... tu como passaste?

Carvalho - Assim...

Valentina - De mim te lembraste?

Carvalho - De ti me posso esquecer?

E tu?

Valentina - Muito despeitada...

Carvalho - Por que, meu bem?

Valentina - Faze idéia:

desejar uma tetéia

e não poder... Que maçada!

Carvalho - Não poder o quê?

Valentina - Comprá-la.

Carvalho - Por que comprá-la não podes?

Valentina - Pois pensa que a dão de godes?

Carvalho - Se é muito cara, deixá-la!

Valentina - É difícil esquecer!

Carvalho - Dificuldades não vejo...

Valentina (Erguendo-se.) - Sufocar o meu desejo!

Matá-lo logo ao nascer!

Esquecer! Fora um suplício!

Pois desejar hei de em vão! (Batendo o pé.)

Oh! não! não!... Mil vezes não!...

Carvalho (Erguendo-se.) - Mas eu não digo...

Valentina (Evitando-o.) - Outro ofício!

Carvalho - Menina, não te exacerbes!

Se queres a tal tetéia,

não me faças cara feia,

que dentro em pouco a recebes!

(Tomando o chapéu que deixou na cadeira perto da secretária.)

Dize-me o que é que num salto,

vou buscá-la. Dize! o que é?...

Valentina (À parte.) - Parece estar de maré...

Preparemos este assalto!...

Carvalho - Algum chapéu enfeitado

pras corridas de amanhã?

Algum vestido de lã?

Valentina (Com desprezo.) - Lã.

Carvalho - Ou seda.

Valentina - ‘Stá enganado.

É um capricho.

Carvalho (Deixando o chapéu.) - Ah! caprichas?

Valentina - Procure.

Carvalho - É coisa que enfeita?

Valentina - É uma cosa que se deita

nas orelhas!

Carvalho - Umas bichas?

Valentina - Tem talento: adivinhou!

(Senta-se no sofá.)

Carvalho - Nas orelhas... Pois quem julga

não sejam bichas? (À parte.) Coa pulga

atrás das minhas estou.

De que são as bichas?

Valentina - Ora!

Carvalho (À parte.) - Estes caprichos aleijam...

Valentina (Erguendo-se.) - Pois há bichas que não sejam

de brilhantes?

Carvalho - Sim, senhora:

há bichas de coralina;

há de esmeralda, safira,

de pingos d’água...

Valentina - Mentira!

Carvalho - Não me desmintas, menina!

Aos teus desejos conforme

‘stou, mesmo quando caprichas;

mas entre tetéias e bichas

há uma diferença enorme!

Valentina - Em quê?

Carvalho - No preço: a tetéia

é sempre coisa miúda,

e as bichas, Deus nos acuda!

Valentina - Nem tanto assim!

Carvalho - Faço idéia

que essas, que desejas tanto,

custam dois contos!

Valentina (Irônica.) -Ou três!

Sem os brilhantes talvez...

Carvalho (Benzendo-se.) - Padre, Filho e Esp’rito Santo!

Valentina - Valem dez contos de réis;

o dono, que é meu amigo,

além de freguês antigo,

deixa-as...

Carvalho - Por quanto?

Valentina - Por seis.

Carvalho - Seis contos!

Valentina - Então não valho

seis contos, meu... Que chalaça!

Não me lembra a tua graça!

Carvalho (Sombrio.) - Joaquim dos Santos Carvalho.

Valentina - Meu Quincas, meu Carvalhinho,

meu primeiro amor!

Carvalho (À parte.) - Tramóias.

Valentina - Uma mulher que quer jóias

é o mesmo que o nenezinho

que quer balas!

Carvalho (À parte.) - Não sou zebra,

que, se quer balas alguém,

compra-as a três por vintém;

e recebe uma de quebra. (Alto.)

Menina, deixa os brilhantes

para essas escandalosas

que contam dúzias e grosas

de indiferentes amantes.

Tu, meu bem, que não és destas,

que só me tens, que não vives

para prazer dos ouvires,

compra umas bichas modestas...

Valentina (Desdenhosa.) - Modestas...

Carvalho - Iguais a umas

que comprei para a Qué-qué...

Valentina (Arrebatadamente.) - Oh! essa Qué-qué, quem é?

Quero saber!

Carvalho - Não presumas

que seja alguma cocote:

é minha mulher.

Valentina - Se acaso

me mentes, vai tudo ao raso!

Carvalho - Eu, nem mesmo em rapazote

Nunca menti.

Valentina (Acariciando-o.) - Ó meu Quincas!

(Desatando a chorar.) Mas ah! que não me conheço!

Imploro... peço... Pareço

uma mendiga!

Carvalho (Tomando-a nos braços com interesse.) - Tu brincas!

Valentina - E quem me avilta? É este homem

que tanto amor me inspirou!

Que mais me resta? Que sou?

Minhas ilusões se somem,

e para sempre! Não voltam!

Cruéis desenganos surgem!

Contra mim os céus de insurgem

e os infernos se revoltam!

Amor! qual amor! É peta!

(Soluçando.) E eu, desgraçada! que adore... (Senta-se no sofá.)

Carvalho (Aproximando-se dela com mimo e bonomia paterna.)

- ‘Stás tal e qual a Ristóri

na Maria Antomieta

Valentina (A fingir um ataque de nervos.) - Ah! Ah!..

Carvalho - Meu Deus! o que é isto?!

Valentina (A espernear.) - Socorro!...

Carvalho (Percorrendo a cena.) - Jesus!

Valentina - Socorro!

Eu morro!

Carvalho (Atarantado.) - Qual morres!

Valentina - Morro!

Quem me acode?

Carvalho - Jesus Cristo!...

Que devo fazer? Eu vou...

Queres médico?

Valentina - Decerto.

Carvalho - Há doutor por aqui perto?

Corro a chamá-lo!

(Na ocasião em que toma o chapéu, Valentina ergue-se.)

Valentina - Passou.

Carvalho (Deixando o chapéu.) - Pois os médicos da corte

são bens bons; basta fazer

tenção de os chamar, pra ver

o doente livre da morte!

Valentina (Depois de alguns momentos, angustiada.)

- A provação foi atroz...

Foi cruel o sofrimento...

Porém, desde este momento

não há mais ente nós.

(Sai pela direita, segundo plano.)

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quarta-feira, abril 15, 2009 - 23:34

Poesia Consagrada :

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ArturdeAzevedo

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