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A Pele do Lobo - Cena II

Cena II

Os mesmos e Apolinário

Apolinário (À porta do fundo.) - Dá licença, senhor subdelegado?

Cardoso - Entre, senhor. (Vai outra vez por o chapéu na secretária.)

Apolinário (Entrando e sentando-se em uma cadeira que deve estar no meio da cena.) - Não se incomode Vossa Senhoria. Estou muito bem. Vossa Senhoria como tem passado?

Cardoso - Bem, obrigado. O que pretende o senhor?

Apolinário - Sua senhora tem passado bem, senhor subdelegado?

Amália - Bem, obrigada. O senhor o que pretende?

Apolinário - Ah! estava aí, minha senhora? Os meninos estão bons?

Amália - Que meninos, senhor?

Apolinário - Os seus filhos, minha senhora.

Amália - Não os tenho. E esta!

Apolinário - Pois levante as mãos pra o céu e dê graças a Nosso Senhor Jesus Cristo!(Sinais de impaciência em Cardoso e Amália.) Eu tenho três, três! Todos três machos, felizmente. Mas que consumição! Que canseira! Quando não está um doente, está outro; quando não está outro, está outro; quando não está nenhum, está a mãe; quando não está a mãe, está o pai. Às vezes estão, filhos e pais, todos doentes. É preciso chamar a vizinha para dar-nos qualquer coisa. É uma lida, minha rica senhora! Peça a Deus que lhe não dê filhos. Olhe...(Mostra a cabeça.) Não vê?

Amália - O quê? o quê?

Apolinário - Já estou pintando... Ainda anteontem... Anteontem não... Quando foi, Apolinário? Segunda... terça... Foi anteontem mesmo... Eu tinha acabado de tomar o meu banhinho e de ouvir minha missinha...

Cardoso (Interrompe-o.) - Meu caro senhor, tomo a liberdade de preveni-lo que temos muita pressa e não, podemos perder tempo. Íamos saindo justamente quando o senhor entrou...

Apolinário (Erguendo-se.) - Nesse caso, senhor doutor...

Cardoso - Perdão, não sou doutor.

Apolinário - Fica para outro dia... Eu vinha dar minha queixa, mas... (Cumprimenta.) Senhor doutor... minha senhora... (Vai saindo.)

Cardoso - Venha cá, senhor: já agora diga o que pretende.

Apolinário (Voltando-se e preparando-se como para um discurso, com força.) - Senhor subdelegado...

Cardoso - Não é preciso gritar tanto...

Apolinário - Esta noite fui roubado.

Cardoso - Diga.

Apolinário - Dezoito cabeças de criação... dezoito ou dezenove... Ontem esteve em nossa casa um cunhado meu, irmão de minha mulher, empregado no Arsenal de Guerra, e não tenho certeza de que ele levasse alguma galinha consigo, mas creio que não. Em todo caso, foram dezoito ou dezenove cabeças, não falando em um bonito galo de crista, que comprei no mercado, não há quinze dias.

Cardoso - Muito bem. O senhor chama-se...

Apolinário - Apolinário, um criado de Vossa Senhoria.

Cardoso - Apolinário de quê?

Apolinário - Apolinário da Rocha Reis Paraguaçu (Dando um cartão) Olhe, aqui tem Vossa Senhoria meu nome e morada.

Cardoso - Bem; pode ir descansado, que serão dadas as providências que o caso exige.

Apolinário (Preparando-se outra vez para um discurso e elevando muito a voz.) - Ainda não fica nisso, senhor doutor!

Cardoso - Já tive ocasião de dizer-lhe, primeiro, que não é preciso gritar tanto; segundo, que não sou doutor.

Apolinário (Com a mesma inflexão, porém baixinho.) - Não fica nisso. Eu conheço o gatuno!

Cardoso - E por que estava calado?

Amália (Não se podendo conter.) - Com efeito, Senhor Paraguaçu!

Apolinário (Atarantado.) - Hein! (Falando com cada vez mais descanso.) Não conheço eu outra coisa! Chama-se Jerônimo de tal, um ilhéu, um vagabundo, que foi há tempo cocheiro de bondes e agora não sai da venda de seu Manuel Maria, ao qual dizem que vende por um precinho de amigo, o que ... (Ação de furtar.) Vossa Senhoria sabe qual é a venda de seu Manuel Maria? É a que fica mesmo em frente à casa do meu cunhado, do mesmo que esteve ontem em nossa casa, e sobre o qual estou em dúvida se levou ou não alguma galinha. (A Amália.) Mas que bonito galinho, senhora! Vossa Senhoria dava oito mil réis por ele com os olhos fechados... Era branco, branquinho, como aqueles patinhos do Passeio Público. Uma crista escarlate! Que bonito galo!

Cardoso - Vamos! Não temos tempo a perder! Faça o favor de sentar-se naquela mesa e dar a queixa por escrito.

Apolinário - De muito bom gosto, senhor doutor. (Obedece.)

Cardoso - E o senhor a dar-lhe! Já lhe disse que não sou doutor.

Apolinário - Isso é modéstia de Vossa Senhoria.

Amália - Parece de propósito, Senhor Paraguaçu.

Cardoso - Deixa-o para lá. (Vai para junto de Amália.) Que maçador! E metam-se!

Amália - Não chegaremos a tempo.

Apolinário (À mesa.) - Esta pena está escarrapachada, senhor subdelegado...

Cardoso - Vou dar-lhe outra... vou dar-lhe outra...

Amália - Anda... Tem paciência... Acaba com isso. (Cardoso vai abrir a secretaria e mudar a pena da caneta.)

Apolinário - Muito obrigado! Que incômodo tem tomado Vossa Senhoria! Mas também não há quem diga à boca cheia: “Aquilo é que é um subdelegado! Zelo até ali... É o pai das Partes!”

Cardoso - Faça o favor de escrever o que tem de escrever...

Apolinário - Às ordens de Vossa Senhoria . (Escreve.)

Cardoso (Voltando para junto de Amália.) - Decididamente peço a demissão!

Amália - Isso já devias ter feito há muito tempo.

Cardoso - Olha que é bem difícil suportar uma maçada assim... E metam-se!

Amália - Hein?

Cardoso - E metam-se a servir o país!

Amália - Pede demissão, Cardoso, pede demissão.

Apolinário (Da mesa.) - Senhor subdelegado, faça o favor de me dizer o modo por que devo principiar este requerimento... Em matéria de polícia sou completamente leigo... Diga-me só o cabeçalho... O cabeçalho! o resto vai...

Cardoso - Aí, Senhor Paraguaçu! O senhor é maçante! Tenho estado a aturá-lo há meia hora!

Amália (Olhando o relógio.) - Há meia hora e sete minutos.

Cardoso - Estamos muito apressados, meu caro senhor... não posso estar com isso...

Apolinário - Eu quis retirar-me quando Vossa Senhoria disse que ...

Cardoso - Vamos lá! Escreva no alto - Ilustríssimo Senhor .

Apolinário - O Ilustríssimo Senhor - já cá está.

Cardoso - Bem (Ditando.) -“O abaixo assinado, morador nesta freguesia, à rua de tal , número tal...”

Apolinário (Escrevendo.) - ... número treze...

Cardoso - “Queixa-se a Vossa Senhoria de que, ontem, às tantas horas da noite...”

Apolinário - “Queixa-se” é com x ou ch?

Amália - Ó céus! (Rindo-se.)

Cardoso - Como quiser! Não faço questão de ortografia.

Apolinário - Vai com ch. (Acabando.) ... “da noite”...

Cardoso - Como está?! (Vendo.) Fulano de tal, tal, tal. Ah! (Ditando.) “Furtaram-lhe tantas galinhas...”

Apolinário (Escrevendo.) - ...”e um galo de crista”...

Cardoso - “... as suspeitas de cujo furto faz recair em Fulano de Tal.” (Consultando o relógio.) E metam-se!

Apolinário (Escrevendo.) - “Fulano de tal, vulgo Barriga-cheia”. Pronto!

Cardoso - Na outra linha: “Deus guarda a Vossa senhoria.”

Apolinário - ... “a Vossa Senhora”...

Cardoso - Na outra linha: “Ilustríssimo Senhor Subdelegado de tal freguesia.”

Apolinário - Pronto.

Cardoso - Assine.

Apolinário - ... “Apolinário da Rocha Reis Paraguaçu.” (Erguendo-se.) Pronto.

Cardoso - Bem; agora pode ir descansado, que serão dadas as providências que o caso exige.

Apolinário - Com licença, senhor subdelegado... Às ordens de Vossa Senhoria...

Cardoso - Passe bem.

Apolinário - Minha senhora...

Amália - Viva. (Volta-lhe as costas.)

Apolinário - Sem mais incômodo. (Saída falsa.)

Cardoso - Safa!

Amália - Saiamos, saiamos quanto antes! pode vir outro... (Vão saindo.)

Apolinário (Voltando.) - Ia-me esquecendo, senhor subdelegado...

Cardoso - Outra vez!

Amália - Assustou-me até!

Cardoso - O que mais deseja?

Apolinário - Hoje, logo depois do almoço, encontrei-me cara a cara com o tal Jerônimo!

Cardoso - Que Jerônimo, senhor?

Apolinário - O Barriga-cheia, o tal que me furtou as galinhas...

Cardoso - E o que tenho eu com isso, não me dirá?

Apolinário - Direi, sim, senhor. Com licença. (Desce à cena e senta-se.) Chamei-o de ladrão! Disse-lhe assim: “Você é um ladrão!” - Com licença da senhora...

Amália - E o que tem meu marido com isso?

Apolinário - É que o sujeito tomou três testemunhas, e diz que me vai processar por crime de injúrias verbais.

Cardoso - Mas, enfim, faz favor de me dizer para que voltou cá?

Apolinário - Vim prevenir a Vossa Senhoria de que...

Cardoso - Vá prevenir ao diabo que o carregue!

Apolinário (levantando-se.) - Senhor doutor.

Cardoso (Gritando.) - Já lhe disse que não sou doutor!

Apolinário (Imitando-o) - Isso é modéstia de Vossa senhoria!

Cardoso - Saia! Ponha-se ao fresco! Supõe o senhor que sirvo de joguete?

Apolinário - Mas Vossa Senhoria...

Cardoso - Saia!

Apolinário - É que ...

Amália - Oh! senhor, já é a terceira vez que se lhe diz - saia.

Apolinário - Minha senhora, eu...(Tornando a sentar-se, com todo o sossego.) Com licença...

Amália - Oh! isto é demais!

Cardoso - Então, não ouve!

Apolinário - Quero justificar-me!

Cardoso (Ameaçador.) - Cuidado, Senhor Paraguaçu!

Apolinário - Bem, Vossa Senhoria está em sua casa: manda. (Levantando-se e cumprimentando.) Ás ordens de Vossa Senhoria.

Cardoso - Viva! Há mais tempo! (Passeia agitado.)

Apolinário - Minha senhora...

Amália - Passe bem. (Saída falsa de Apolinário.) Que inferno! que inferno! E metam-se!

Apolinário (Voltando.) - Acredite senhor doutor, que eu não queria de forma alguma...

Cardoso (Desesperado.) - Ah! ele é isso? (Agarra uma cadeira e levanta-a, correndo para Apolinário.)

Amália (Muito aflita.) - Ah! (Suspende o braço de Cardoso. Ficam todos numa posição dramática.)

Apolinário (Com todo o sangue frio.) - Tableau. (Desaparece.)

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quarta-feira, abril 15, 2009 - 22:51

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ArturdeAzevedo

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