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Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quarto: “O Bagpipe” - Capítulo III : A Canção Bonny Dundee acha um Eco na Colina
Atrás do muro do jardim, em um ângulo do muro coberto de azevinho e hera, empachado de urtigas, com um pé de malva silvestre arborescente e um grande verbasco do mato que brotava do granito, passou Gilliatt quase todo o verão. Ficava ali inexprimivelmente pensativo. As lagartixas, que se iam acostumando a Gilliatt, aqueciam-se ao sol nas mesmas pedras. O verão foi luminoso e suave.
Gilliatt tinha sobre a cabeça as nuvens que perpassavam no céu.
Assentava-se na relva. Tudo estava cheio de um rumorejar de pássaros. Punha a cabeça nas mãos e perguntava a si próprio: Mas por que escreveu ela o meu nome na neve?
O vento do mar soprava ao longe grandes lufadas. De quando em quando, nas pedreiras longínquas de Vaudue, troava bruscamente a trombeta dos pedreiros, advertindo os passantes de que ia rebentar uma mina. Não se via o porto de Saint-Sampson; mas via-se a ponta dos mastros por cima das árvores. As gaivotas voavam esparsas. Gilliatt ouvira dizer a sua mãe que as mulheres podem amar os homens, e que isso acontecia algumas vezes. Lembrava-se, e respondia a si mesmo: É isso. Compreendo. Déruchette ama-me. Sentia-se profundamente triste. Dizia ele: Mas também ela pensa em mim; faz bem. Pensava em que Déruchette era rica, e ele pobre. Pensava que o vapor era uma invenção execrável.
Não podia lembrar nunca em que dia do mês estava. Contemplava vagamente os grandes zangões negros, de lombo amarelo e asas curtas, que penetram zumbindo nos buracos das paredes.
Déruchette recolhia-se uma noite ao quarto. Aproximou-se da janela para fechá-la. A noite estava escura. De repente, Déruchette aplicou o ouvido. Havia uma música no meio daquela noite profunda.
Alguém que provavelmente estava na vertente da colina, ou ao pé das torres do castelo do Vale, ou talvez mais longe, executava uma canção num instrumento. Déruchette reconheceu a sua melodia favorita Bonny Dundee tocada em bagpipe. Não compreendeu nada.
Desde então, ouviu ela muitas vezes a mesma coisa, à mesma hora, especialmente nas noites escuras.
Déruchette não gostava muito daquilo.
Passaram-se quatro anos.
Déruchette aproximava-se dos 21 anos e conservava-se solteira.
Já alguém escreveu algures: Uma idéia fixa é uma verruma. Vai-se enterrando de ano para ano. Para extirpá-la no primeiro ano é preciso arrancar os cabelos; no segundo rasga-se a pele; no terceiro ano quebra o osso; no quarto saem os miolos. Gilliatt estava no quarto ano.
Não tinha trocado uma só palavra com Déruchette. Pensava nela; era tudo.
Aconteceu-lhe uma vez, estando por acaso em Saint-Sampson, ver Déruchette conversando com Mess Lethierry diante da porta da casa que dava para a calçada do porto. Gilliatt arriscou-se a aproximar-se dela. Cuidava estar certo de que sorrira quando ele passou. Não era coisa impossível.
Também Mess Lethierry ouvia o bagpipe e notou a persistência desta música perto da janela de Déruchette. Música terna, circunst ância agravante. Não lhe agradavam namorados noturnos.
Queria casar Déruchette com dia claro, quando ela e ele quisessem e simplesmente, sem romance e sem música. Exasperado, procurou descobrir o amador e pareceu-lhe entrever Gilliatt. Meteu as unhas na barba em sinal de cólera e disse: Por que motivo vem aquele animal sanfonear-me à porta? Ama Déruchette, é claro.
Perde o tempo. Quem quiser Déruchette deve vir falar-me, e sem música.
Previsto desde muito, veio a realizar-se um acontecimento importante.
Anunciou-se que o Reverendo Jaquemin Herodes fora nomeado delegado do bispo de Winchester, decano da ilha e cura de Saint-Pierre-Port, e que partiria de Saint-Sampson logo depois de instalar o seu sucessor.
Estava a chegar o novo cura. Era ele gentleman de origem normanda, e chamava-se Joe Ebenezer Caudray.
A respeito dele havia circunstâncias que a benevolência e a malevolência comentavam em sentido inverso. Diziam que era moço e pobre, mas a mocidade era temperada por muita doutrina, e a pobreza por muita esperança. Na língua especial criada para a herança e a riqueza, a morte chama-se esperança. Era sobrinho e herdeiro do velho e opulento decano de Saint-Asaph. Morto este, ficava o outro rico. O Sr. Ebenezer Caudray era bem aparentado; tinha quase direito à qualidade de honorable. Quanto à sua doutrina, era julgada diversamente. Era anglicano, mas, segundo a express ão do Bispo Tilleston, era muito libertino, isto é, muito severo.
Repudiava o farisaísmo; ligava-se antes ao presbitério que ao episcopado.
Sonhava com a Igreja primitiva, onde Adão tinha o direito de escolher Eva, e Frumentanus, bispo de Hierópolis, raptava uma moça para ser mulher déle, dizendo aos pais: Ela quer e eu quero, já não sois nem pai nem mãe, eu sou o anjo de Hierópolis, e esta é minha esposa. O pai é Deus. A dar crédito aos boatos, o Sr.
Ebenezer Caudray subordinava o texto : Honrai pai e mãe ao texto, segundo ele, superior: A mulher é a carne do homem. A mulher deixará pai e mãe para acompanhar o marido. Mas, afinal de contas, esta tendência para circunscrever a autoridade paternal e favorecer religiosamente todos os modos de formar o vínculo conjugal é própria a todo o protestantismo, particularmente na Inglaterra e singularmente na América.
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