"Mais acordada?"

Talvez eu precise
de estar mais acordada
que o gato vadio que anda à noite
à procura de um terraço
ou de um espreguiçar atento,
incógnito entre os negros,
simulado
junto às paredes adormecidas
da urbe parda.
Talvez
o chão onde piso
precise deste acordar
sonâmbulo e mesquinho,
onde amachuco os minutos
e ganho a rua
sequiosa de ser Lua,
abrir o rosto pedinte
à condição
de ser pluma
e ser peso,
numa causa
sem seguidores nem objectos,
assaltante da tentação
de entrar nessa sala
que é minha
e me dá
aquela que eu sou,
na volúpia da mente predadora,
onde atinjo
um olhar
e sou a vastidão
na língua de um cometa.
Talvez eu precise
de estar mais acordada
que o último comboio da madrugada,
para partir
na velocidade
da luz junto ao candeeiro,
que só se acende
no morrer de cada dia,
reduto de um baldio
não reclamado
eu sou o pântano expectante
que se resolve e dissolve
num questionar incessante
da emoção de amar…
Talvez eu precise
de ser
a metamorfose do pensamento
para estar aqui,
recolher
o istmo que liga
dois pontos num desejo,
um magma de cristal
por delapidar,
feito homem…
Talvez eu precise
de estar mais acordada
sem acreditar em ti,
para perceber
esta fúria de beber
as letras
e moldá-las no barro
da desrazão,
esculpindo na lógica do negativo
que este amor
é perdoar a minha letargia,
religar num âmago
os ângulos articulados
das mensagens que transporto
à mediocridade latente
do que já fui,
à fluorescência
que flui
para o jardim
de um amigo
onde eu sou a distância
e a proximidade
de um real enclausurado
pela usura.