Pequeno Texto Poético "Além, Muito Além"

Hoje, quando abri os olhos, fitei o teto do quarto. Ele continuava lá como há anos, distante e calado. Meus braços não se moviam. As pernas pareciam mortas, murchas, flácidas. Forcei os músculos, rangi os dentes. Continuei deitado. Como num salto, me vi em pé para além daquele corpo cansado. Continuei subindo, subindo....a imagem do meu corpo, minha casa, todo  o bairro foram sumindo, sumindo...

Fui ser negro entre os negros. Cansado, fiz-me azul e me confundi entre as nuvens espessas do céu. De lá fitei os impérios, o trânsito estúpido e a luta dos homens. Fiz-me jovem, fiz-me velho. Fui homem, fui mulher. Bebi dum copo salgado, outro doce, outro amargo. Carreguei pedras, colhi flores, chorei de alegria.
No fim do dia, vi minha casa novamente. Fui descendo a ela. Seu telhado, seus corredores, sua calçada. Rente ao solo, toquei meus livros, cheirei minhas roupas, subi a velha escada. Meu corpo continuava lá e minha mãe velava por ele.

Havia um pouco de tudo em mim, e um pouco de mim em tudo havia. Entrei em meu corpo novamente e aceitei aquela noite fina que a lua me oferecia, sem pudor, pela janela.