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Sem título(46)

O homem cala o grito nas lágrimas de fel

De dentes cerrados estiola no abandono de si

Rodopia na cornucópia da loucura, lúcido

Absurdamente sangrando lucidez por todos os poros

Dói-se na inabilidade nos amores em miragem

Espelha-se no verso imprestável, no poema impossível!


Olho o homem no muro das imprecações

Não tem lamentos nem preces a fazer

Debate-se e bate com a violência da razão

Quebra o crânio esmaga o coração

Tinge a terra com sangue e sal

Desnuda-se completamente às mortais cobardias

Chora o choro de todas ufanas vítimas

Afunda-se no vómito nauseabundo

Morre só sem dó nem piedade

Nega-se vibrantemente á compaixão comezinha

O homem fina-se de amor em sangue vivo


Escuto os seus últimos murmúrios

Oiço-os como confissão única, como mágoa exclusiva

O homem diz: se eu fosse poeta, se tivesse a sorte dos Deuses

E as benesses das musas, se eu fosse poeta…

Talvez pudesse ter semeado amor e coragem de amar

Talvez as flores e os frutos tivessem a cor e forma

Do desejo de quem me pudesse amar

Talvez eu fosse a convicção ardente

Talvez eu fosse a urgência do amor.

Choro o homem sangrando

Sangro-me no poeta incapaz e obscuro

Bebo o sal e o fel do homem solitariamente demente

Anoiteço em silêncios sepulcrais

Abraço-me no grito mudo do homem marginal

Quebro-me por inteiro contra o muro da indiferença

Ardo serenamente em fogo lento

Nego-me ao poema sem valor

Extingo-me sem a sorte do amar

Sangrando sempre amor e mais amor!

 

Dionísio Dinis

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quarta-feira, março 2, 2011 - 20:41

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Dionísio Dinis

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