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A cor da quebra

A cor da quebra
I

Lembro-me como era no início. Sentia-me assustado e o silêncio fazia um tremendo eco como cortesia aos flashes endiabrados dos meus pensamentos. Pensava em cores, e essas cores explodiam em seres indesejados, seres do passado, seres que nunca vira, em cenas violentas que nada faziam lembrar. Via mãos distorcidas, mãos de barro, brancas e esguias como estalactites secas em forma de mão. Depois, logo depois, laços movediços de um vermelho muito feio, sempre muito movimentados de forma a alcançar a pele dos meus olhos mas que acabariam por nunca conseguir tocar, acompanhados de um murmúrio muito fino e contínuo, digno de alguém que sofre em agonia, e distante de socorro. O grito cessava quando ouvia passos que me envolviam, os passos aumentavam como se fossem chegando visitas, uns fortes, outros leves, uns apressados e de taco, outros como se saltassem à corda vezes sem fim, outros lembrando um par de chinelos arrastando-se em qualquer piso com areia. Mais eco e agora cores escuras que ocultavam rostos. Mas havia uma luz forte que como um farol para o mar preso num abrupto nevoeiro, fazia denotar as feições dos rostos de tantos em tantos segundos, num compasso de tempo sempre acertado, como um farol que visto do mar faz não esquecer o rosto da terra. Os rostos não eram velhos, eram apenas antigos e quase sempre femininos com seus olhares sempre sérios... no fim era só eco, um eco seco e embalador, estimulante e completamente dono mim.
Lembro-me deste início trágico mas de certo modo reconfortante. Apesar de me sentir ardente por dentro e mentalmente revolto como um emaranhado de silvas crescendo aleatoriamente, a solidão, abrandava-me o medo e aos poucos se tornara a minha companhia, a minha leal confidente, o meu verdadeiro amor.
Hoje tudo é diferente. Já começo a conhecer os recantos desta casa, já reparei que quase tudo é feito em madeira de textura vertical e com rasgos pouco profundos, próprios da madeira usada nestas construções em épocas mais remotas. Não existe mobiliário em nenhuma divisão exceptuando a pequena mesa que se destaca mal se destrava a porta da entrada que, rangendo tanto, parece não querer ser destravada nunca. A mesa é de madeira, já bastante roçada, não tem qualquer adereço especial na sua forma rectangular, apenas uma pequena gaveta sem puxador que teimava em não abrir. Consegui abri-la dias depois de ter reparado nela, lá dentro, havia uma vistosa caixa metálica nitidamente esquecida no tempo e parcialmente coberta por uma ténue camada pó. A porção de pó não era suficientemente espessa para encobrir o brasão saliente, um brasão de família, talvez. Nele, banhadas em ouro, liam-se as letras “M”e ”H”. Estendido sob a base da caixa estava um envelope que já tinha sido branco, igualmente camuflado com poeira. Cheguei mesmo a abrir a caixa, no seu interior repousavam dois cigarros seguros por uma fita elástica. Toquei neles levemente e senti que estavam verdadeiramente rijos, naturalmente, alguém os esquecera como esquecera a caixa e o envelope.
Até hoje não toquei mais nos dois objectos, vontade não me faltara principalmente em abrir o envelope, mas tanto um como o outro pertencem ou pertenceram a alguém. A alguém…. A uma vida, a uma outra pessoa que certamente desconheço e que, sinceramente, não desejo conhecer. Não desejo mais pessoas, mais vidas, mais paixões que não esta que sinto por este silêncio, pelo eterno azul que daqui vejo sempre que ouço o vento do mar. (…)

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sábado, março 20, 2010 - 13:37

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EliasFreitas

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Comentários

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Re: A cor da quebra

Obrigado Ônix. o texto faz parte de um pequeno romance,lembrando alguém. Daqueles que nunca sairao da gaveta... :-)

irei postar o link em "Histórias contadas..."

tentarei continuar a participar

Beijo...

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Re: A cor da quebra

Não desejo mais pessoas, mais vidas, mais paixões que não esta que sinto por este silêncio, pelo eterno azul que daqui vejo sempre que ouço o vento do mar. (…)

UM texto que me despertou para um tempo morto, onde só os sons que se ouvem no interior, passam para um tempo outro que nos aguarda, quiçá num futuro lngínquo.
Por agora o silêncio basta.... e como me basta também

Adorei ler.

Muito bom

Bjs

Matilde D'Ônix

PS: Este texto deve fazer parte de um grupo ou de um romance?. Seria óptimo postar o link correspondnte no Tópico "Histórias Contadas no forum.

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