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Entre Dois Mundos e Dois Sorrisos Encontro a Minha Paz

Ângela vê Filipa e nota-lhe o semblante carregado, como se o mundo tivesse desabado sobre os seus ombros. Os seus passos são certos mas lentos, como se adivinhassem um mundo triste ainda por descobrir.

- Olá Filipa que bom te ver! É óptimo quando chega finalmente o final de semana. Ontem deu-se a passagem pela rotina habitual, uma manhã última da semana. Às Sextas Feiras, até já reparei, que a sensação ao sair à rua é diferente. Talvez por ter lembrado de Vinicius e por estar quase a pisar o dia de Sábado. Existem tantos projectos em mente, quando se aproximam as Sextas Feiras e quase sempre, nada faço, a não ser olhar as horas, e ver que passam tão depressa, que nem dou por elas. É como em tudo. Não reparamos se o tempo se encosta aos nossos sonhos que nem os vemos também. Quando tinha outra idade, não sentia esta correria do tempo, nem me importava com ele, mesmo que o visse parado à espera de mim. Eu era o meu próprio tempo, sem tempo.

Filipa não responde mas ouve com atenção as palavras de Ângela e pergunta-lhe como correu o seu dia de trabalho. Ângela continua a sua descrição pausadamente como se estivesse a falar para ela própria em voz alta ou a escrever os seus pensamentos, sozinha em casa, no recanto da sua alma.

- No sítio do costume e com o café a fumegar à minha frente numa chávena de meia de leite, olho através dos vidros. O rio que parece dormir com aquela calmaria das manhãs de início de Primavera. Na mesa em frente estão duas senhoras que falam de tudo menos do sol que espreita acabrunhado, sem se intrometer completamente nos seus secretos jardins. Bebi o meu café, paguei e saí sôfrega do ar matinal que se encosta pelas ruas escuras e se espalha pelas pedras da calçada. Uma névoa que quase nos envolve, na sua também, quase claridade. Conduzo o carro na direcção do Rio Tejo que, vê, vindo do sul, o sol que se abre em raios fortes e arrebatadores emanando um brilho cor de prata. Os meus olhos sentem a dor provocada pela claridade matinal, paro o carro ainda meio atordoada, coloco os óculos de sol e lanço um novo olhar sobre o alcatrão cristalizado de um sol morno e aconchegante. As árvores encontram-se ainda depenadas mas dando já sinal de algum colorido primaveril. Encosto a cabeça no banco e fecho os olhos por instantes. Estou a dois passos do emprego, tenho ainda tempo para desfrutar desta realidade que me faz por instantes, lembrar o meu corpo que mergulhou inerte na escuridão deste rugoso alcatrão. Foi num dia triste, um corpo adormecido mas que o sol afagou e encostou á berma da estrada. O rio avança igual ao mar sempre que me quer de alguma forma inquietar, ou enamorar. O negro alcatrão cobre-se de um manto de pequenas partículas cristalizadas que se formam no sentido ascendente e eu, estou no lado oposto, num lugar de eleição, com o corpo farto, e o peito solto á volta do céu. Sou um misto de dor e de alienação, curvada perante a morte que se anuncia e parte sem se despedir. Este é um gosto que requer alguns toques de sedução e as minhas mãos são o calor que satisfaz, de uma forma ou de outra, algumas quimeras frescas matinais que se esbatem nas frestas das janelas abertas de par em par. Vejo-lhes corpos sem rostos por detrás das vidraças envoltos nas cortinas cor de mármore e o sonho de me ter encontrado; um corpo abandonado à sorte, no mar, volta a ameaçar agora numa rua deserta que o rio abraça e se desfaz na corrente que passa. Os meus olhos quebram os estilhaços que se formam nas pupilas ténues e ameaçadas de cegueira sazonal. Ouço agora as notícias no rádio: vários fogos e ainda nem começou a Primavera; a onda de calor que se faz sentir, leva pessoas até à praia, mas o mar, esse gigante do planeta, engoliu de uma vez só, o corpo inocente de uma criança; um homem, esqueceu o filho, um bébé de nove meses, fechado dentro do carro durante horas a fio e a criança sucumbiu. Mais e mais desgraças pelo mundo, anuncia o rádio sem parar, e eu aqui sossegada, a ver a calmaria de um rio que sorri sempre à minha passagem. Desligo-o. Não me apetece desassossegar-me neste dia último da semana. Já me basta o meu próprio desassossego, quando me lembro de mim nos dias tristes. Quase sempre me isolo de tudo, não quero nunca que me saibam triste. Gosto de ser solidária e sentir compaixão por aqueles que sofrem, mas hoje não, não quero saber deles, só de mim, e espero que me deixem em paz, aquela que eu também quero. Nem que esta paz, represente sofrer comigo.

Encontro-me entre dois mundos e dois sorrisos que se apartam neste rio. Tolhe-me o olhar e deixa a descoberto, um dia em que o meu corpo acordou deitado no alcatrão, sem dor nem lembranças do que possa ter acontecido, mas tão-só, um carro que se encostou ao meu corpo, e encontrou ali um ponto de viragem. Não sei porque continuo com esta obsessão, estes pensamentos que me assolam quase diariamente sobre o que representa a morte na minha vida. Não entendo porque tenho sonhos tão expressivos e reais sobre o que já passou. Nenhum ainda me mostrou algo que possa vir a acontecer. As tais premonições de que tanto falas Filipa.

Filipa que entretanto se sentara, pois sabia que aquela conversa ia ser longa, não entende o motivo que levou Ângela a ter este tipo de desabafo, precisamente quando lembra um episódio da sua infância, que à distância de tantos anos, a leva a tirar algumas conclusões sobre estas visões ou premonições. São elas que a fazem por vezes parar para pensar e meditar sobre as nossas vidas que nos conduzem sempre por outros caminhos, outras vidas….

Dolores Marques

http://escrevuniverso.blogspot.com/2009/03/entre-dois-mundos-e-dois-sorr...

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quarta-feira, junho 24, 2009 - 23:45

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Re: Entre Dois Mundos e Dois Sorrisos Encontro a Minha Paz

DOLORES

LINDA PROSA,
GOSTEI IMENSO

ADORO A MUSICA ESCOLHIDA,

PARABÉNS MINHA GRANDE POETA, QUE ESTIMO E ADMIRO

MUITA LUZ NA ESTRADA DA VIDA!

BEIJO CARINHOSO. ;-)

mariamateus

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