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LUZ

LUZ
A luz horizontal da manhã furou-te por entre os espaços entre os dedos das mãos abertos.
Trespassou-te pela abertura dos braços erguidos para os lados do teu tronco, essa luz.
Irrompeu também por entre as tuas pernas afastadas em forma de um “A” quase escrito no meio do ar, nos preparativos de um preguiçar.
Chegou até mim a claridade moldada pelas formas do teu corpo de frente para o sol.
Tocou-te nos pés a água do mar adiante, trazida pelas ondas e tocou-me na ponta dos meus dedos a tua sombra, como se a tua cabeça estivesse deitada aos meus pés.
Deitado, levantei um pouco a cabeça, já um pouco mais desperto e, um pouco mais alto, verbalizei o teu nome enrouquecido, que não ouviste da primeira vez que te chamei.
Esta noite adormecemos na praia do mar onde, com um ritual desconhecido para o efeito, baptizámos a relação nascida atrás, no parque de estacionamento e concebida antes à mesa de um jantar.
Quando te convidei, dois dias antes, a refeição serviria apenas para que te dissesse de coisas de um trabalho em curso. Na véspera, para que pudesse saciar a vontade de te ouvir sem razão. E minutos antes, para que me ouvisses esquecido dos afazeres profissionais. Com a tua cabeça, o teu cabelo, a tua face, os teus olhos e a tua boca na minha mente, que já te via e ouvia, afagada por mim e por mim beijada.
O dia começou mal, ainda assim. Recordo-me que, minutos ou segundos antes de adormecer, numa das passagens de luz do farol na baía, desejava que o dia nascesse para te acordar quando já esperasse pelo abrir dos teus olhos. Não o queria perder por nada. Queria ganhar uma imagem tua, sem moldura nem máquina, nem tempo que a pudesse desgastar.
Sorriste para mim quando te viraste no meu encalço. Nesse momento, houve um brilho intermitente que intercalava entre um outro brilho de luz contínua.
O gesto dos poucos passos que deste para rodares o teu corpo e te pores de frente para mim, fez-te balançar, como balançam todos os bípedes quando se movem.
Fizeste aparecer o sol atrás de ti. Como se anunciasses um dia brilhante, em premonição.
Pouco mais do que dois metros para cá de mim e em menos do que poucos segundos, escureceste a manhã nos meus olhos. Atiraste-te de tronco sobreposto no meu e beijaste-me numa compartilha do que quer que seja que só existe quando quatro pares de pálpebras se colam.
Escassos milímetros nos afastámos e já os olhos se abriram. Os meus e os teus suspenderam em concórdia o pestanejar porque o momento se queria olhado.
Olhei-te e tu olhaste-me, até que sobre as pálpebras superiores pousou um peso que as atraiu para baixo, para um encontro com as inferiores num fecho de visão.
Sem ver, disse-me a memória que o que tocava nos meus lábios seriam os teus, novamente. A mesma que me disse que o teu peito era o que pousava ainda no meu e que o que tocava com as mãos era a pele das tuas costas com grãos de areia.
Recordei a luz breve de uma vela espetada num bolo, a luz dos candeeiros do tecto do restaurante que se acendeu depois, a luz do teu brilho alegre, a luz de quem te viu brilhar e a luz de cada um dos faróis de cada carro de cada um dos convidados que se foram e nos deixaram sós.
A luz que subjaz na ideia de te levar pela mão para o paredão escondido e para a água quente de verão e para o centro da praia depois, ainda guia.
S.L.

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quarta-feira, novembro 9, 2011 - 19:29

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Sergio Lizardo

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