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UMA DECLARAÇÃO ABREVIADA ENTRE PAREDES DE XISTO E TELHADO DE COLMO

UMA DECLARAÇÃO ABREVIADA ENTRE PAREDES DE XISTO E TELHADO DE COLMO
As quase quarenta e oito horas de chuva ininterrupta que atestaram de falíveis os responsáveis pela página de meteorologia do jornal de sexta, fizeram daquele fim-de-semana o destrava línguas que se impunha após meses mudos passados desde o dia em que nos apresentaram.
Resolvemos aceitar a oferta do empréstimo de estadia a sós, numa aldeia recôndita do interior, numa planície entre serras de pinhal cerrado e rochas esculpidas pelo tempo.
Chegámos de mochilas às costas recheadas de roupas de verão, a maior parte, de tamanho adequado a banhos de sol entre outros banhos de piscina que o próprio sol trataria de aquecer.
O nevoeiro era cerrado, a ponto de termos sido apoderados da sensação de estarmos fechados entre muros de vapor de água suficiente para lavarmos os rostos cansados com ele.
Sabíamos que o caminho de pedras romano nos levaria ao destino se não lhe tirássemos os pés de cima, por isso não receámos perder-nos, nem tivemos sequer tempo de ter a percepção desse receio, já que a tua vida falada por ti começara desde os tenros dias da tua infância até ao muito longínquo fim dos teus dias… E os teus planos de vida eram mais do que muitos e as imagens vistas no seu detalhe ocupavam-me por completo as ideias pintadas de maravilhamento.
Haviam-nos dito que teríamos que andar a pé, pelo menos, duas horas. Parecia-me já conhecer-te há anos e só a matemática básica confirmou essa informação prévia quando, já frente àquela espécie de chalé, olhei para o relógio cujo ponteiro dera já, mas tão-só, as duas voltas estimadas para a direita.
Quando baixei o pulso, reparei na atenção que lhe davas e no suspiro que deixaste sair, acompanhado de um reflexo movimento de ombros com os braços baixados e as mãos ao lado da cintura sobre a qual se apoiaram depois.
Perguntei-te se querias voltar para trás e se terias energia suficiente para isso. Respondeste-me com a voz munida de um fôlego surpreendentemente recuperado e num tom baixo de quase sussurro, que o melhor seria passarmos lá o fim-de-semana, uma vez que já lá estávamos. Acedi.
Abri a porta e perguntei-te se poderia levar-te ao colo para dentro da casa. Respondeste-me que não. Que não deveríamos queimar etapas e que esse gesto eu deveria reservar para a nossa segunda lua-de-mel e que não o deveria tomar já ali. Arregalei o olhos.
Deixei-te ir na frente numa atitude que recuso ver como passada de moda e segui-te os passos atrás de ti. Atrás de mim, fechei a porta que rangeu bem alto como se nunca antes tivesse sido usada, o que te cativou a atenção e te levou a olhar para trás com espanto.
“Buuuuuuuu…!”, brinquei. Perguntaste-me se achava que te assustavas com tão pouco e eu respondi-te que talvez. Retorquiste com um “impossível”. Porque, segundo tu, eu estava ali para te proteger e que, se ainda assim o medo se apoderasse de ti, correrias para os meus braços. Ruborizámos.
Tirei a mochila que carregava e pousei-a em cima de uma cadeira de madeira velha que vi que era de baloiço. Trocámos olhares e sorrimos.
Tirei-te depois a mochila das tuas costas e pousei-a um pouco mais ao lado, na imediação de uma lareira de granito. Atentámos que ao lado estava uma espécie de gigantesco cesto de ferro carregado de lenha. Os nossos olhos brilharam.
“Pois é… cá estamos”, disse como se um disparo se tratasse.
“Muito original, essa tirada…”, provocaste.
“Pois… eu sou assim, gosto de originalidade…”, respondi enquanto me debrucei atrás do sofá, aonde fui buscar um carrinho com rodas igual aos usados pelos serviços de quartos, com água, sumo, fruta diversa e doces cobertos de tentações ainda mais doces.
“Surpreendida? Tentada?”, desdenhei eu e paralisaste tu.
Atiraste-te segundos depois com a vontade acumulada num jejuar de horas agravada pelo esforço da marcha, a um lanche de meio de manhã que parecia pouco.
Minutos passados, abrimos a porta de acesso à piscina, convidados pelo levantar do nevoeiro entretanto ocorrido. Vimos que a dissipação se transformava em nuvens que se juntavam a outras nuvens mais altas e que estava em andamento a construção de um tecto de cinza e negro de algodão áspero.
Abeirados da água, as nossas imagens reflectidas começaram por tremer a cada queda de pingos de água mínimos, que foram crescendo até um tamanho e quantidade suficientes para nos banhar em escassos instantes. Ficámos encharcados.
Corremos para dentro de casa e fechamos a vidraça e ali permanecemos do lado de dentro, encostados braço com braço. Intencionalmente.
Lá fora, um dilúvio parecia começar e deixámos de ter a imagem exterior quando o embaciamento nos turvou a vista. Recuámos.
Sem palavras trocadas, tiraste para fora da mochila os teus pertences, enquanto me detive no acender da lareira. Olhei então para ti, pensativa, com um biquíni nas mãos. Disse-te provocadoramente que com o calor que daí a pouco se iria sentir o poderias vestir, ao que me respondeste que, se aquecesse muito, poderias até dispensar o seu uso. Sorrimos.
Junto ao lume que ardia já bem vivo, despi a t-shirt e sentei-me no chão em frente. Sentaste-te a meu lado e tiraste o chapéu que usavas e que, em bom abono da verdade, te ficava matar o bom gosto. Desculpa!
“Afinal tu até és gira”, desafiei-te. Bateste-me no ombro, que de imediato ficou marcado. Sem pensar, estiquei para o lado onde na cadeira de baloiço estava a minha mochila, de onde retirei a máquina com que fotografei “a prova do crime”. Bateste-me uma vez mais.
Nada cansado do que não via minimamente como acto de humilhação, mas porque um basta na tua atitude se justificava, segurei-te as mãos com as minhas. Não te debateste.
Levantando-me ligeiramente em direcção a ti, sem força minha nem resistência tua, dirigi-me e ao teu corpo levado à frente, até te ter deitada sob a carpete de pelo alto. Serenaste.
Sentado sobre o teu ventre, sem te ter largado as mãos, entrelacei os meus dedos nos teus, que quase de imediato se moveram em jeito de afago recíproco por longos segundos. Alarguei o aperto suave e deslizei os meus dedos até à ponta dos teus, para depois recuar e repetir o gesto de dois sentidos, uma e outra vez… várias vezes. Fechaste os olhos.
A massagem nas mãos de que tanto gostavas impunha-se. Primeiro a mão direita, depois a mão esquerda. Um e o outro pulso. Cada falange e cada centímetro, submeteram-se à minha já muito testada competência de massagista amador.
Pousei depois as tuas mãos sobre as minhas pernas e levei a massagem para terrenos acima. Antebraços, braços e ombros. Os dois em simultâneo. Apertei cada músculo com a intensidade certa e a cada aperto seguiu-se uma passagem leve, reparadora. Suspiraste.
Parei e olhei-te nas pálpebras fechadas, que deram lugar aos teus olhos inquiridores.
“Porque paraste?”, parecias perguntar.
Não quis ouvir o que o teu olhar me dizia e aproximei-me de ti para te oferecer um convite para um segundo beijo com um primeiro beijo meu. Aceitaste.
Não parou de chover por um minuto que fosse, curiosamente, até à hora marcada para o nosso regresso no dia seguinte. Seguimos o guião até onde nos foi possível seguir, tendo enveredado por deixas de improviso que resultaram numa actuação merecedora de aplauso de cada um de nós ao outro. Não usámos as roupas que as nossas mochilas levaram.
Na nossa mente não chegámos a sair da casa de xisto com telhado de colmo escondida entre encostas de pinhais e penedos rochosos e, quando a sorte sorri, tapada com a colaboração de um temporal feliz usado como arma para nos prender no seu interior. Voltaremos.
S.L.

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quinta-feira, novembro 10, 2011 - 18:44

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Sergio Lizardo

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