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O ESPELHO

Hei, tu ai? É, tu mesma, que estás aí, escondida neste espelho, como se fosses uma Alice qualquer da vida. Quero conversar contigo. Não, não adianta tentar fugir, o papo agora é entre nós duas.
Quantas vezes eu já te falei que não adianta tentares explicar o que ninguém entende nem quer entender? Não adianta virar o rosto para a escuridão. É a mais pura verdade. As pessoas não gostam de explicações, de sugestões, não gostam de saber de seus defeitos, e dos teus muito menos. Elas não querem saber do teu inferno particular, da tua decepção, da tua alegria, da tua excêntrica loucura. Elas só desejam que tu sorria. Sim! É muito simples, simplório até, diria. Se tu sorrir sempre e a toda hora, poderão até dizer que tu és esquisita, mas vão ficar mais felizes e achar que o mundo é perfeito, a vida maravilhosa e que tudo, enfim, vai ficar bem.
Elas não querem ser prevenidas, não querem saber das preocupações que tens com elas, das tuas mazelas, das tuas agruras ou do teu trabalho. Senão, elas começam a te vigiar, achar que estás pra te matar, começam a te mentir sobre dinheiro, tentar te acarinhar e fingir que vão estar lá, naquele lado escuro como breu que, na verdade, não querem conhecer... o outro lado do espelho. Não, elas não querem isso.
Eu já te recordei diversas vezes que existe um lugar certo na ordem natural do universo que tu conheces e que é o que te compete: ficar sempre onde estás, ao alcance da mão de quem precisar e sem reclamar. Aconselhar sensatamente os que te buscam para tal e deixar o rio inquieto da tua vida encontrar-se com o lago tranqüilo que almejam que sejas. Tu já o sabias, tinhas até te conformado, lembra? Mas ousaste sair por aí, dizendo que estarias me acalentando, decidiste rabiscar umas linhas e mostrar para quem quisesse ver. Mas eu te avisei que não ia ocorrer o que esperavas. Que o parco equilíbrio do teu mundo seria abalado, que falarias palavras ao contrário e acabariam dizendo que tua imaginação é por demais imaginativa para se conviver.
Tua teimosia acabou assim: tu tendo que te esconder ai no espelho e eu tendo que explicar que a culpa não era minha, mas da cara “amiga excêntrica” que tenho e ninguém vê. Mas nem isso serviu dessa vez. Foi-se de roldão minha respeitabilidade. Perdi o direito de ter razão, de protestar, de passear. Adeus naturalidade! Adeus, dias de sol! Adieu, messieurs, adieu, mademoisseles.
E para piorar acabaste com minhas noites de sono. Estou insone há quase um mês. Grave problema, porque ai fico escrevendo (aliás, tu conduzes minha mão, minha mente, minha intenção) falando de pássaros que partiram, saudades que ficaram, tristezas que sangraram e mancham o branco do papel. O que causa estranheza em alguém que parecia tão predisposta a alegria infantil e a ficar grudada nos amigos (os reais, e que aqui não estão).
Não, não. O pior pecado não é cometer erros, não é repeti-los, pedir perdão por algo que não se fez, nem implorar por amor a quem partiu e te desprezou. O maior erro é ser privada de lucidez. Ninguém gosta de loucura. Alguma excentricidade é possível e até necessária, para divertir os amigos e afins. Mas loucura!
“Jamais, nem pensar! Na minha família não. Imagina. Ela só é um pouco estranha. Fica muito tempo em silêncio ou fala demais, ou lê cinco livros ao mesmo tempo. Ou trabalha, escuta música, joga games no PC e rascunha uma poesia tudo na mesma hora. É cansativo. Mas é somente isso, porque ela é um pouco excêntrica, sabe?”
Loucura é tabu. É medo do Escuro. O outro lado do espelho que ninguém quer ver, entender ou compartilhar. Por mais que expliques, que previnas, que peças perdão, não existe redenção para tal mal. Os ‘sãos’ irão partir se souberem que tu és dada a acessos de devaneio, de ilusão, de criação, ainda mais a altas horas da noite.
Talvez seja por isso que das histórias infantis Alice no País das Maravilhas seja o menos aclamado. Quem vai querer saber de uma menina perdida num mundo estranho, que acaba falando coisas ao contrário, ou crescendo e encolhendo toda hora; conversando com bichos, chapeleiros malucos, ouvindo conselhos de uma lagarta e, para piorar, acaba parando justamente onde não deveria: do outro lado do espelho, onde tudo é o contrário, ou o contrário do contrário natural.
Por isso, te digo: fica aí no espelho, de molho, por pelo menos um ano. Assim, eu poderei readquirir minha respeitabilidade, a confiança abalada e duas ou três amizades perdidas. Quem sabe até eu salve o que restou da minha simples vida.
E para findar essa conversar, assina esse contrato aí em três vias, que serão lavradas em cartório, com assinatura de testemunhas e imputação de multa por qualquer futuro descumprimento da tua parte. Afinal, posso ter uma amiga excêntrica, mas o seguro morreu de velho e advogado bom é aquele que prefere um mau acordo a um bom litígio. E ponto final.
 

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quinta-feira, fevereiro 24, 2011 - 01:38

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