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O RELÓGIO
Certa vez um jovem senhor adquiriu um relógio, eis que em virtude de sua importância e aos vários compromissos que possuía, precisava sempre ter em mente a hora exata para evitar atrasos inconvenientes.
Assim, ele entrou em uma velha joalheria e observou todos os relógios que ali se encontravam. Gostou de uns, desgostou de outros, odiou os demais. Mas, após uma demora não tão prolongada quanto pode parecer, o jovem encontrou dois de que gostara bastante. Um relógio de pulso e um para por em cima de alguma mesa ou outro móvel que houvesse em sua casa.
O vendedor, desejoso de fazer um bom negócio e, principalmente, desvencilhar-se de um despertador um tanto velho e um tanto estranho, propagandeava as virtudes dos dois objetos, enfatizando que seria útil ao comprador possuir a ambos. No entanto, o jovem, embora de posses remediadas, achava um desperdício comprar a dupla apresentada. Além do que, o relógio despertador lhe causava uma impressão que ele não sabia bem como definir. Parecia um objeto meio estranho, mas lhe provocou imediata simpatia, afeição até.
- Ele funciona bem? Parece meio esquisito. – falou ao vendedor.
- Sim, é um pouco diferente dos demais. Mas é um bom relógio. Às vezes adianta-se um pouco nas horas, outras vezes atrasa-se, mas é só dar corda e ele funcionará a contento. Vai lhe deixar satisfeito. Com certeza.
O jovem olhou para o objeto meio de soslaio, cerrou por uns segundos os olhos, mudou de posição segurando o queixo com uma das mãos, refletiu, e por fim sentenciou:
- É, gostei. Vou levar assim mesmo. Condiz mais comigo este relógio.
O vendedor sorriu.
- Não vais te arrepender, meu jovem. – disse, enquanto preparava um embrulho e sorria intimamente. “Enfim, me livrei! No entanto, era um bom relógio. Pena ser meio torto.”
O jovem foi para casa contente. Agora não iria mais se atrasar para seus compromissos inadiáveis, suas festas alegres, suas noites boêmias ou de negócios. Contente de si chegou ao lar, desembrulhou o relógio, deu corda, como recomendado, e colocou-o sobre a mesa da sala, sentando-se a observar por uns minutos o trabalho persistente do relógio.
Percebeu que o mesmo não fazia um tic-tac normal como os demais irmãos seus que contavam o tempo. Seu medidor fazia tic-tic-tac-toc. Estranhou, mas como havia simpatizado com a aquisição acabou se conformando. Era até melhor assim, pois o jovem, às vezes, se enfadava com coisas convencionais demais.
Esse fato lhe fez perceber algo importante que ele não distinguiu plenamente na loja. Seu relógio era assim, meio torto, de uma tortesa estranha, pois suas engrenagens estavam meio expostas, mas não totalmente desprotegidas, o que poderia ocasionar algum mau funcionamento mais rapidamente. Entretanto, isso mais ainda fez o jovem gostar de sua aquisição, pois lhe despertava um cuidado maior.
Assim, embora o tic-tic-tac-toc do medidor fosse esquisito e seu motor meio delicado, a máquina trabalhava com regularidade. Também fora agraciada por seu fabricante com uma forma delicada e não totalmente desprovida de beleza. As próprias molas e engrenagens que compunham o motor do objeto eram em si mesmas um belo exemplo da arte do relojoeiro.
Passado algum tempo, o jovem descobriu outro detalhe de seu agora amado relógio: ele atrasava ou adiantava mais seguidamente as horas do que o vendedor havia dito. Isso, a princípio, lhe deixou meio aborrecido, pois lhe ocasionou um adiantamento em certo compromisso que ele queria procrastinar e um atraso em outro que ele ansiava antecipar.
No entanto, após meditar um pouco, ele chegou a uma solução perfeita para o ínfimo transtorno que tal defeito ou qualidade do despertador lhe trazia: ele passou a adiantar, quando percebia que o relógio estava atrasado, ou a adiar um pouco sua saída de casa, ou vice-versa . Acabou por se acostumar e gostar dessa característica do relógio.
Contudo, como todo idílio, justamente por ser idílico, acaba por findar, aconteceu algo que fez todo o carinho do jovem pelo seu torto relógio arrefecer.
Ele descobriu, por acaso, que o pêndulo do instrumento era totalmente recurvado, embora não ocasionasse nenhum problema no funcionamento do relógio. E não apenas isto. Neste mesmo dia, o medidor emudeceu (não se sabe se por que o jovem, em seu desespero em relação ao pêndulo, esquecera de dar a corda necessária para a máquina funcionar, ou porque o relógio decidira apenas meditar em sua torta vida).
O fato é que o despertador não soou o seu tic-tic-tac-toc costumeiro e ocasionou ao seu dono graves transtornos em sua vida de boêmio, de rapaz responsável e festeiro. Isso foi como jogar água gelada numa caldeira, como soar a trombeta derradeira. E o amor, de repente, se fez desamor, restando apenas umas palavras duras, que foram assim expelidas:
- Que me fizeste? Tu me mataste. A culpa é tua, o defeito é teu. Já não te quero.
Talvez tenham sido palavras ditas ao vento, num momento de furor e decepção, pois quando deu as costas ao relógio, já pensando em outro adquirir, o rapaz pensou: “Mas ele me tem sido tão fiel...”. Mesmo assim deixou a casa por horas seguidas.
No entanto, o relógio, que já era estranho, produzia um tic-tic-tac-toc diferente, tinha um pêndulo recurvado e, uma vez, uma única vez tenha decidido meditar em sua simples vida, sentiu que seu interior foi ao meio partido. Perdera o afeto de seu mestre. Perdera o sentido de sua vida. Sentiu o quanto era inadequado, o quão era imperfeito. Temeu, também, por sua existência. Pensou que, quando o jovem voltasse, com um substituto mais novo e menos torto, já não teria aquele por que mantê-lo e o jogaria no lixo. Meditou, principalmente, na decepção que causara ao dono que tanto afeto lhe votara.
E foi isto que mais lhe doeu. “Sim, a culpa é minha... sim, o defeito é meu. Dele nada posso reclamar”, refletiu. “Me resta apenas agir como um velho e bom relógio agiria nessa situação. Sair de cena. Salvar a dignidade que me resta, do fardo livrar o mestre.”
Com dificuldade, conseguiu descer da mesa. Por coincidência, encontrou uma porta semiaberta, deslizou para a escuridão e desapareceu nela, sabendo que o caminho o levaria por lugares mais estranhos que ele, que talvez sua máquina parasse completamente de trabalhar por falta de alguém que lhe desse corda, que toparia com seres bondosos ou maldosos. Mas ele com isso não se importava. Importante era seu mestre, e o que ele (simples relógio torto) ainda tinha de qualidades. Seu futuro era incerto. Contudo, a incerteza do desafeto... Ah! Essa não queria jamais provar.
Enquanto isso, o jovem retornava a casa. Abria a porta. Sua fúria tempestuosa já amainara. Percebeu que tudo ocorrera principalmente porque ele se perdera nas linhas de sua própria arrogância desmedida. Sempre fora assim, meio de supetão, de dizer coisas e se arrepender depois. Entretanto, ainda assim, no mais das vezes, esquecia de pedir perdão.
Não comprara um novo relógio. O velho ainda lhe era caro e talvez ainda funcionasse. Olhou para a mesa, mas a maquina ali não estava. Olhou embaixo da mesma e também não o encontrou.
- Estranho. – falou em voz alta. – Eu daqui não o tirei.
Seguiu até o próximo cômodo. Anteviu a porta semiaberta, ou quase fechada. E ficou a pensar: “Será que alguém o roubou? Mas era tão torto e não estava funcionando.” Abriu a porta e observou a noite sem lua, escura como breu.
“Era um relógio torto. Será que criou pernas e escapou?”. Depois riu. Criancice esses pensamentos absurdos. Foi fechando a porta devagar, melancólico por perder assim um relógio tão invulgar, mas ciente que outro poderia encontrar, talvez até melhor.
Enquanto isso, na noite o medidor esquisito sumiu. Não olhou para trás, nem sabe se chorou, apenas se foi. Capengando por causa de sua tortesa, por estar carregando, em seu frágil invólucro, a alegria de libertar a quem dele já não mais precisava e o fardo triste de sonhos mortos.
(28/12/2010)
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