Enquanto a chuva cai (Manuel Bandeira)

A chuva cai. O ar fica mole . . .
Indistinto . . . ambarino . . . gris . . .
E no monótono matiz
Da névoa enovelada bole
A folhagem como o bailar.

Torvelinhai, torrentes do ar!

Cantai, ó bátega chorosa,
As velhas árias funerais.
Minh'alma sofre e sonha e goza
À cantilena dos beirais.

Meu coração está sedento
De tão ardido pelo pranto.
Dai um brando acompanhamento
À canção do meu desencanto.

Volúpia dos abandonados . . .
Dos sós . . . — ouvir a água escorrer,
Lavando o tédio dos telhados
Que se sentem envelhecer . . .

Ó caro ruído embalador,
Terno como a canção das amas!
Canta as baladas que mais amas,
Para embalar a minha dor!

A chuva cai. A chuva aumenta.
Cai, benfazeja, a bom cair!
Contenta as árvores! Contenta
As sementes que vão abrir!

Eu te bendigo, água que inundas!
Ó água amiga das raízes,
Que na mudez das terras fundas
Às vezes são tão infelizes!

E eu te amo! Quer quando fustigas
Ao sopro mau dos vendavais
As grandes árvores antigas,
Quer quando mansamente cais.

É que na tua voz selvagem,
Voz de cortante, álgida mágoa,
Aprendi na cidade a ouvir
Como um eco que vem na aragem
A estrugir, rugir e mugir,
O lamento das quedas-d'água!

Manuel Bandeira
 

Submited by

Wednesday, August 17, 2011 - 21:52

Poesia :

No votes yet

AjAraujo

AjAraujo's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 7 years 1 day ago
Joined: 10/29/2009
Posts:
Points: 15584

Add comment

Login to post comments

other contents of AjAraujo

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Intervention Orfeu Rebelde (Miguel Torga) 0 6.623 02/22/2012 - 12:57 Portuguese
Poesia/Meditation Os homens amam a guerra (Affonso Romano de Sant´Anna) 0 2.237 01/22/2012 - 12:13 Portuguese
Poesia/Dedicated Eppur si muove [Não se pode calar um homem] (Affonso Romano de Sant´Anna) 0 3.668 01/22/2012 - 11:59 Portuguese
Poesia/Intervention O Leitor e a Poesia (Affonso Romano de Sant´Anna) 0 10.077 01/22/2012 - 11:48 Portuguese
Poesia/Intervention Um despertar (Octavio Paz) 0 3.337 01/22/2012 - 00:14 Portuguese
Poesia/Aphorism Pedra Nativa (Octávio Paz) 0 5.482 01/22/2012 - 00:10 Portuguese
Poesia/Intervention Entre Partir e Ficar (Octávio Paz) 0 3.465 01/22/2012 - 00:05 Portuguese
Poesia/Aphorism Fica o não dito por dito (Ferreira Gullar) 0 2.673 12/30/2011 - 08:19 Portuguese
Poesia/Intervention A propósito do nada (Ferreira Gullar) 0 3.489 12/30/2011 - 08:16 Portuguese
Poesia/Intervention Dentro (Ferreira Gullar) 0 11.182 12/30/2011 - 08:12 Portuguese
Poesia/Thoughts O que a vida quer da gente é Coragem (Guimarães Rosa) 2 3.740 12/26/2011 - 21:55 Portuguese
Poesia/Dedicated Adeus, ano velho (Affonso Romano de Sant'Anna) 0 3.813 12/26/2011 - 12:17 Portuguese
Poesia/Meditation Para que serve a vida? 0 3.748 12/11/2011 - 01:07 Portuguese
Poesia/Dedicated Natal às Avessas 0 2.817 12/11/2011 - 01:03 Portuguese
Poesia/Intervention A voz de dentro 0 4.354 11/19/2011 - 00:14 Portuguese
Poesia/Intervention As partes de mim... 0 2.696 11/19/2011 - 00:00 Portuguese
Poesia/Thoughts Curta a Vida "curta" 0 3.531 11/13/2011 - 13:46 Portuguese
Poesia/Intervention Lobo solitário 0 5.633 11/13/2011 - 13:46 Portuguese
Poesia/Thoughts A solidão na multidão 0 7.114 11/13/2011 - 13:43 Portuguese
Poesia/Thoughts Não permita que ninguém decida por você... Seleção de Pensamentos I-XVI (Carlos Castañeda) 0 9.957 11/12/2011 - 12:55 Portuguese
Poesia/Thoughts Não me prendo a nada... (Carlos Castañeda) 0 3.917 11/12/2011 - 12:37 Portuguese
Poesia/Thoughts Um caminho é só... um caminho (Carlos Castañeda) 0 5.276 11/12/2011 - 12:35 Portuguese
Poesia/Meditation Procura da Poesia (Carlos Drummond de Andrade) 0 2.991 11/01/2011 - 13:04 Portuguese
Poesia/Intervention Idade Madura (Carlos Drummond de Andrade) 0 4.037 11/01/2011 - 13:02 Portuguese
Poesia/Meditation Nosso Tempo (Carlos Drummond de Andrade) 0 5.501 11/01/2011 - 13:00 Portuguese