Ofélia Entorpecida

Ofélia Entorpecida

De vestido preto e um olhar profundo
Mulher escrava da noite
Dorme e sonha com a feição do céu transparente
Do amor eloquente que incendeia toda ela
Feição maquiada por trás de um véu
Desce as ruas, decora seus passos
Para amanhã não se esquecer daqueles pecados que mais
gosta de provar
A essência das flores desdenhadas dissolve no chá de lírio
Assemelha-se a ela uma virtude consagrada por Deus
Algo diferente, algo muito especial tocou seu coração
com uma só palavra
E a cruz de sua penitência caiu de seus ombros cansados
Disse a ela em voz alta um coelho cor-de-rosa:
- Beba, beba mais deste chá que Deus há de lhe chamar!
Alegre e como nunca havia de sentir antes, bebeu
Bebeu todo o chá de lírio
Na brisa alvoraçada e ameaçadora que rondava aquela noite
Olhou, e logo toda a paisagem cantava e dançava em
volta dela
Coelhos e raposas, lobos e veados, as árvores e as flores,
o céu e as nuvens...
Todos cantavam e dançavam
Tudo estava tão colorido que não tinha como
não estar feliz
Na manhã do dia seguinte acordou nua no telhado de
uma casa abandonada
Toda suja, a mil quilómetros de sua casa
Numa vila afastada da cidade sem meios de transportes
possíveis
Os habitantes locais ficaram todos abismados porque
ninguém antes tinha a visto por ali
E nem se quer sabem como veio ali parar
Nem mesmo ela sabia dizer
Apenas perguntava se alguém tinha visto um coelho
cor-de-rosa e um poste dançante