Filosofia Moderna e Contemporânea - BERLIN, Isaiah - A Liberdade Positiva e a Liberdade Negativa.
1909 – 1997
A Liberdade Positiva e a Liberdade Negativa.
Antecederam a BERLIN, Filósofos importantes que também abordaram o tema “Liberdade”. Dentre outros, podem ser citados Thomas Hobbes (1588 – 1679 – Inglaterra) que no distante ano de 1651, já descrevia em sua obra máxima “O Leviatã” a relação entre a Liberdade e o Poder do Estado. Ou, tempos depois, Soren Kierkegaard (1813 – 1855 – Dinamarca) que aludiu ao fato de que a nossa Liberdade é um dos motivos de nossa infelicidade (inclusive por prevermos que arcaremos com as consequências por nossas escolhas); ou, na Modernidade, John Stuart Mill (1806 – 1873 – Inglaterra) que mencionou a diferença existente entre a Liberdade relativa à coerção exercida por alguém e a Liberdade para pensar e agir conforme nossas crenças e interesses. Ou, ainda, na Contemporaneidade, o psicanalista Erich Fromm que explora a noção de Liberdade Positiva e Liberdade Negativa.
A Isaiah BERLIN coube acrescentar novas luzes ao assunto, pois a pergunta “o que significa ser livre?” está longe de ser respondida satisfatoriamente.
Antes de tudo, convém analisarmos os termos “Liberdade Positiva” e “Liberdade Negativa”, por serem fundamentais no Ideário de BERLIN, ainda que ele não seja o autor desses Conceitos.
Liberdade Negativa – Chamada de Negativa, por estar associada ao vocábulo “Não”; ou seja, não estar acorrentado a uma rocha, não estar preso em uma penitenciária, ou em outro cativeiro (legal ou ilegal) etc. É ser livre de obstáculos externos. É a Liberdade que se tem em relação a alguma outra coisa ou pessoa. Para BERLIN é o “nosso sentido fundamental de Liberdade”. Contudo, para o erudito, essas definições não esgotam o termo, já que para ele quando a mencionamos queremos, na verdade, referir-nos a algo mais sutil.
Liberdade Positiva – Conforme o Filósofo é a Liberdade de controlar o próprio Destino, a própria Vida. A Liberdade de fazer escolhas, de ter sonhos, objetivos, esperanças etc.
A associação entre esses dois tipos de Liberdades leva à seguinte teoria:
1 – A Liberdade é tanto Positiva quanto Negativa.
2 – Positiva, como se viu, é quando somos livres para controlar nosso próprio Destino e escolher nossos meios, objetivos e fins.
3 – Negativa, por NÃO estarmos presos a algo ou a alguém. Por NÃO estarmos pressionados por qualquer tipo de obstáculos, ordens ou exigências. E livres de coação física, intelectual, emocional, política etc. exercida por outrem individualmente, ou por um agrupamento.
4 – Porém, os nossos objetivos individuais, às vezes, entram em conflito com o outro e nos leva a dominá-lo, subjugá-lo. Ou o inverso (ie, nós podemos ser oprimidos, caso os objetivos do outro é que sejam privilegiados).
5 – Portanto, quando nossa Liberdade Positiva extrapola as Regras Morais e Sociais e/ou o apelo da nossa própria Ética, ocasiona-se a redução da Liberdade Negativa de terceiros e se instala a opressão. Ou o inverso (idem).
6 – por isso, para BERLIN, o “Sentido Fundamental da Liberdade é a Liberdade dos Grilhões”; ou seja, o propósito básico, primeiro da Liberdade é livrar-se efetivamente de Todos os grilhões e não só daquelas cadeias que tradicionalmente conhecemos. A natureza da Liberdade, a sua forma de ser, consiste no amplo exercício de Todas as vertentes de ser livre; não só ser livre das prisões que outros nos causam, mas ser Livre para escolher o próprio caminho, os próprios sonhos, anseios e desejos.
Quando menciona, por exemplo, a “Liberdade Negativa” ele aponta para o fato de que além de significar a nossa independência em relação a obstáculos naturais, ou colocados por terceiros, vem embutido nesse conceito algo mais sutil, elevado. Afinal, ser livre não é apenas decorrente da nossa relação com o que nos é exterior, mas também é algo relacionado com a nossa capacidade, ou possibilidade, de decidir nossos rumos, os nossos sonhos e anseios; ou seja, a chamada “Liberdade Positiva”. Essa soma, pois, é que nos faz tão livres quanto possível.
NOTA do AUTOR – “tão livres quanto nos seja possível”, pois não podemos olvidar de ORTEGA y GASSET que localizou acertadamente nas “nossas Circunstâncias” o fator que delimita nossa independência e os limites de nossa Liberdade efetiva.
Afinal, o simples fato de convivermos com outros Seres Humanos já é, por si, um redutor de nossa condição de “livres”. Mesmo os aspectos positivos da vida social nos torna, de certo modo, devedores e cativos do outro, pois se dele somos alvo de um favor, de uma gentileza isso cerceia nossa liberdade em relação a quem nos obsequiou. Por uma questão de “boa educação e regra necessária de convivência (para que não soframos o mesmo)” Não podemos, por exemplo, ignorar aquela pessoa, por mais desagradável que ela nos seja. Devemos-lhe atenção, agradecimento. Ficamos de alguma maneira, preso a ele. Em relação aos aspectos negativos da convivência social, os fatos falam de modo evidente por si e dispensam outros comentários.
E essa “Liberdade Positiva” não é apenas individual, pois a autodeterminação também pode ser desejada por um grupo, pela população de um País, o que é motivo, inclusive, de algumas guerras que visam à libertação de um domínio estrangeiro.
Para o Filósofo, contudo, o problema é que as duas formas de liberdades – a Positiva e a Negativa – não raro entram em conflito, do qual podem surgir graves prejuízos ao próprio optante, como acontece, por exemplo, quando o indivíduo se vê obrigado a votar um determinado Partido Político pensando que assim evitará um “mal maior”. E faz tal votação mesmo sabendo que a sua “Liberdade Positiva”; ou seja, a sua criatividade, engenhosidade e liberdade individual serão reduzidas.
NOTA do AUTOR – há cerca de trinta ou quarenta anos, no Brasil, exemplos como o acima eram mais comuns. Indivíduos da típica burguesia classe-média negavam peremptoriamente seu voto aos chamados “Partidos de Esquerda” por temerem o “Comunismo devorador de criancinhas”. Com isso se sujeitaram a Regimes Tirânicos que lhes suprimiram Direitos Civis e Políticos, acesso à Arte e à Cultura verdadeiras (não confundir com o triste arremedo que lhes substituiu) e lhes causaram uma ruína financeira que pode ser medida pela Inflação de 80% ao mês que deixaram como herança maldita. Regimes que negaram o acesso às genuínas manifestações do espírito humano, já que a estupidez que os caracterizava classificava como “subversivos” tudo aquilo que fosse Superior ao seu indigente poder de reconhecimento e compreensão.
Atualmente, exemplos como os citados na Nota perdem um pouco o seu poder de ilustrar a situação descrita no parágrafo anterior, pois com a hegemonia do Capitalismo, o cerceamento da Inteligência (e da Liberdade que ela oferta) tornou-se de tal monta que deixou de ser pontual, passando a ser mera rotina.
Todavia, mesmo que desatualizado, não deixa de sinalizar que ao perder, ou abdicar, de seu Direito à “Liberdade Positiva (ie, da liberdade de se autodeterminar)” o Indivíduo (por ingenuidade ou falta de Cultura, ou por simples covardia), entrega também a sua “Liberdade Negativa”, vez que será inexoravelmente subjugado pelo Poder que ajudou a consolidar, tanto através de seu voto, quanto de seu silêncio.
Perderá, pois, a sua independência física, material, política para a Potência que o subjugou. E essa prisão acarretará a perda de sua “Liberdade Positiva”, pois os cárceres costumam prender além dos corpos, a esperança, os anseios, os desejos, a autodeterminação de quem lhes é entregue, formando um Circulo Vicioso de difícil saída.
Regimes Totalitários e Autoritários (tanto de Direita, quanto de Esquerda) frequentemente tem uma visão inflexível do propósito da vida (alguns Regimes autocráticos do Oriente, situam esse propósito na completa submissão a um eventual Deus) e não hesitam em restringir, ou mesmo suprimir completamente, as Liberdades Civis e Individuais (ie, as “Liberdades Positivas”) para atingirem seus objetivos espúrios e tortos e sua arrogante concepção do que seja a “felicidade humana”.
Com efeito, a Opressão Política normalmente nasce de um Ideal equivocado (por desconsiderar as individualidades) sobre o que é, ou seria, uma “vida plena, produtiva e feliz”. Depois desse ignominioso parto, segue-se a intervenção do Regime obrigando que a Sociedade aceite aquela sua distorcida visão. Vê-se, pois, a ilegitimidade – mesmo que seja espuriamente legalizada – dessa origem sórdida.
Para BERLIN a resposta a tal sordidez divide-se em duas partes:
1 – É preciso reconhecer que as várias Liberdades estão sempre em conflito, pois o meu desejo interfere com o desejo de outrem e vice-versa. Afinal, Não existe um “Objetivo de Vida” geral. Existem, na verdade, os “Objetivos Individuais” específicos.
Esse fato, essa característica humana, é real, verdadeiro e perene, não obstante os ataques e/ou a tentativa de escamoteá-la, que sofre por parte dos Filósofos, dos Religiosos e doutros pretensos “Entes Iluminados”, que insistem em achar uma “Base Comum” para a Moralidade sem contudo encontrá-la, já que não é raro que confundam seus próprios objetivos de vida, com os fatos da Realidade.
2 – Cientes, então, dessa profusão de interesses conflitantes, precisamos de eterna vigilância para manter sob um padrão civilizado as várias demandas e contradições. É necessário mantermos vivo o “Sentido Fundamental da Liberdade”, que é a ausência de intimidação e dominação para que os nossos Ideais não se transformem em grilhões para os outros.
São Paulo, 29 de Maio de 2012.
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