A casa perto da estrada
Aquela seria uma viagem de férias para o jovem casal, que planejava descansar de tantos problemas que assolavam sua vida. Ele esperava que ela se recuperasse da depressão que a vinha atacando depois que sofrera seu segundo aborto espontâneo e reorganizar as ideias para evitar que sua pequena empresa fosse à falência.
-Querida,está tudo bem com você?
-Sim, está tudo bem.
Ele não sabia se estava realmente tudo bem. Sua esposa nunca fora uma mulher de reclamar da vida e sempre suportara bem os problemas que apareciam, apoiando-o e sendo compreensiva com seus rompantes de mau-humor, que haviam se tornado muito frequentes quando ele começara a ver que a empresa de computação estava sofrendo prejuízos.
-Se estiver com enxaqueca, pode me dizer.A gente para um pouco.
Vinham se revezando na função de motorista para que nenhum deles se cansasse em demasia. Fora dele a ideia de viajar para afastá-la do ambiente doméstico por uns tempos.
-Penso que estamos indo ao fim do mundo.foi seu primeiro comentário desde o começo da viagem.
-É? Por que pensa assim, querida?
-Porque há horas não vemos ninguém. Gostaria que você tivesse trazido o Rex conosco em vez de tê-lo deixado com o vizinho para tomar conta. Teríamos uma companhia.
-Bem, penso que seria desconfort'avel para ele.E você? Está confortável?
-Não sei.
-Tudo bem.
A mulher parou para consultar o mapa e ele a espiou por uns segundos, com um pouco de remorsos.Ela deixara de trabalhar na Biblioteca para se acostumar a seu ritmo de vida, suportara com abnegação o primeiro aborto e o apoiara em tudo,enquanto ele mergulhara nos negócios, pensando apenas em lucros enquanto ela se sacrificava e aguentava suas grosserias. E ele, meu Deus, sem saber lidar com o fato dela não querer nada com ele devido à depressão em decorrência do aborto, fora ter um caso.Ela parecia desconfiar, mas nunca disse nada a ele e, após algum tempo, voltou a aceit'a-lo, como se tentando se desculpar.Na segunda gravidez, sua vitalidade se refez e ele abandonou a amante, prometendo a si mesmo que seria um marido melhor, mas os negócios começaram a dar problemas e seu mau-humor a fazia sofrer.Arrependia-se e pedia desculpas, dizendo que não sabia o que fazer,porque ela não merecia que ele a tratasse daquela forma. Então, numa madrugada, ela o acordou com uma hemorragia. Correram ao hospital, porém, não foi possível salvar a criança e ela própria quase morreu. Morto de culpa, acreditando que o fato de tê-la tratado tão brutalmente tantas vezes fora a causa dela perder a criança, jurou que seria um marido melhor e prestaria mais atenção a ela. Ao lado dela, que dormia placidamente no leito, assustadoramente pálida, ele disse:
-Querida, perdoe-me,por favor. Eu tenho sido um mau marido, mas amo tanto você. Meu amor, eu vou cuidar de você e ser um marido melhor, prometo. Daria a minha alma para que você fosse feliz.
Agora, na estrada, ela lia o mapa com atenção, tentando se certificar de que estavam no caminho certo. Do nada,perguntou:
-Tem certeza de que chegaremos antes do anoitecer?
-Claro, querida. Está com medo?
-Não, mas é porque, se não chegarmos a tempo, onde iremos dormir?Não me agrada dormir numa estrada vazia.
-Não tenha medo, eu vou proteger você.apalpou o cabo do revólver que trazia na cintura.
-Quer que eu dirija agora?
-Não, eu não estou cansado ainda. Além disso, você lê os mapas melhor do que eu. sorriu ao ver que ela estava conversando.
Mas ele consultou o relógio e viu, apreensivo, que ela estava certa. Talve não pudessem chegar a tempo. Bem, poderia acelerar um pouco. Não havia pessoa alguma naquela estrada e era melhor que se garantissem. Porém, logo viram que o sol foi começando a baixar e não demoraria a anoitecer.
-Droga, querida. Você estava certa.
-Calma. Vamos dirigir mais um pouco.
Após mais algum tempo, ele vislumbrou uma casa pequena, que seria uma granja e teve uma ideia:
-Acho que o dono da casa não se incomodará de nos dar hospedar um pouco.
-Você acha, querido? Quem hospedaria dois estranhos que chegam do nada?
-Ora, vamos tentar.
Desceram do carro e travaram. Ela observou a casa que, vista de longe, parecia desolada e abandonada, cercada pelo mato espesso. Pendurado num pau, havia um espantalho,que dava a impressão de um crucificado.
-Nossa, veja, um espantalho.
-Bem, ele não vai me espantar. Venha. Cuidado, o mato é espesso. Pode haver cobras.
Andaram com cuidado em direção à casa.O mato era denso e ela observou:
-Que coisa estranha.
-O quê?
-Tanto mato e nenhuma cobra. E você não vê que não há um inseto?
-Tanto melhor.
Chegaram à porta. A casa era totalmente desolada e era óbvio que nenhuma pessoa morava lá há vários anos. Mesmo assim, ele chamou:
-Ó de casa. Estamos viajando e gostaríamos de saber se poderia nos dar abrigo por uma noite.
O homem continuou chamando até que a mulher cutucou o seu ombro;
-O que foi?
-Querido, esse espantalho parece estar nos observando.
Ele se aproximou do espantalho, mais para satisfazê-la do que para conferir. "Ora, esse espantalho é apenas um espantalho." O espantalho era tão velho que se diria que se dissolveria em pó em poucos minutos. As roupas pareciam ter vários séculos.
-Querida, onde esse troço feito de palha e trapos pode nos observar?
Porém, ela disse:
-Vamos voltar ao carro.Esta casa está desabitada e, não gosto dela, querido. Parece tão morta.
-Não, não vamos dormir na estrada.arrombou a porta.
Entraram. A casa não tinha nenhum móvel e se diria que nunca fora habitada. Toda ela era sujeira e poeira. A mulher ficou avaliando, estranhando.
-Querido, essa casa não tem nenhum dos móveis que alguém usaria para ficar confortável e, veja: deveria ter milhares de teias de aranha.
-Tanto melhor. Nenhuma aranha vai nos incomodar.
-Mas isso não é normal, querido. Parece que ninguém nunca morou aqui. O normal também seria haver insetos, cobras e outros animais numa casa cercada por tanto mato.
-Vou para o carro buscar comida e uma manta. A gente dorme aqui essa noite e volta a viajar amanhã.
-Estou achando melhor que a gente vá dormir no carro, meu amor.
-Vou ao carro e pegarei as coisas para a gente não ficar desconfortável.Espere aqui.
-Não, eu vou com você.
Foram e, ao voltarem, ela olhou fixamente o espantalho. Reclamou:
-Essa coisa se mexeu.E estava olhando para mim.
-Vamos entrar, meu amor. Você está nervosa.
Entraram e ele tirou os sanduíches para comerem, garantindo que não havia por que se preocupar e que, no dia seguinte, estariam na chácara do irmão dele.
-Depois de passar um tempo no campo, você vai ver.Ficará bem melhor. Vai recuperar a saúde e tudo o mais.
Comendo devagar, ela estava pensativa.Ele ligara a lanterna e lhe disse para deitar um pouco.
-É desconfortável, mas é tudo o que temos. Não tenha medo, sabe que eu cuidarei de você sempre. Daria minha alma pela sua felicidade, sabe disso.
-Querido, não fale besteira. Eu odiei quando você me contou o que disse enquanto eu ainda dormia depois de perder nosso segundo filho. Não deve dizer isso e...parou de falar, olhos arregalados.
-Querida, o que foi?
-Eu juro que alguém olhava pela janela aberta. Foi rápido, mas eu vi um vulto.
Ele pegou o revólver e a puxou para si, tranquilizando-a:
-Calma, calma, certo? Não tenha medo de nada. Durma um pouco.
Deitaram. Ele dormiu rápido, ela ficou querendo rolar na manta como fazia em suas noites de insônia, mas o chão duro machucaria seu corpo. Havia algo errado, ela sabia. O espantalho lhe dava a impressão de ser a única coisa viva naquela casa tão morta como seus dois filhos. Por fim, cerrou os olhos mas não dormiu imediatamente. Escutou passos muito sutis rondando a casa e cerrou mais os olhos, louca de pavor. Ouviu abrirem a porta e continuou de olhos fechados. Se fingisse que dormia, talvez, fosse deixada em paz. Os passos eram sutis, leves. Tremendo, não abriu os olhos, respirando forte. Algo se inclinou sobre ela, sussurrando:
-Oi, querida. Você é tão bonita. Ele não pode dar o que você quer, mas eu posso.
Abriu os olhos e quis morrer. O que era aquilo? Só poderia estar louca.Deveria ser efeito colateral dos remédios que andava tomando. Quis acordar o marido, mas a coisa tapou sua boca e disse:
-Eu disse a você que você seria minha assim que a vi. Você tinha razão, sou a única coisa viva aqui. E vou provar isso para você.
A coisa a acariciou e abriu o zíper de seu jeans.A mão era áspera e a tocava com ousadia, acariciando a parte interna de suas coxas, chegando até seu sexo.
-Você é minha, querida.deitou-se sobre ela.
-Não, por favor.
-Calma, não tenha medo. Isso, está vendo? Não é ruim, não dói.
Devagar, a coisa a fez tirar o resto da roupa e alisou todo o seu corpo, gemendo de prazer.
-Ele é tão bruto com você, não é?Mas você será minha, agora.Não se preocupe com ele, ele não vai acordar.
Sem saber o que fazer, ela permitiu que a coisa a usasse, sentindo-se penetrada. Como aquilo podia ser possível? Só podia estar louca ou sonhando.
-Ah, pronto. Esta vendo? Foi bom,não foi? a coisa acariciou seus seios e seu sexo.
-Durma agora, querida.
Adormeceu, o corpo dolorido. Ao acordar, viu que estava vestida. "Foi isso,eu sonhei. Nada disso aconteceu."
-Querido, acorde. Amanheceu.
O marido acordou.
-É, está de dia. Vamos voltar à estrada. Querida, está tudo bem?
-Sim, só estou dolorida por ter dormido no chão e tive um pesadelo.
-Vamos.
Na chácara, o irmão dele os recebeu com alegria e ela não esquecia o que acontecera.Que tudo tivesse sido apenas um sonho.
Os dias foram passando e ela conseguiu voltar a sorrir. Andava a cavalo com o marido, nadava no lago e ambos faziam amor todas as noites. Uma manhã, ela desmaiou e chamaram o médico, que falou:
-Meus parabéns, a senhora está grávida.
Seu marido exultou e disse:
-Vamos cuidar bem de você, querida. Dessa vez, tudo vai dar certo.
Abraçando o marido, ela tinha medo. Como engravidara tão rápido? Era possível? E a lembrança daquela noite horrível a invadiu.
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Muito bom! Gostei muito.
Muito bom! Gostei muito. Parabéns pela escrita.
Abraços
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