Era o que me faltava! - 3
.

Como disse antes, ganhara o gosto de me embrenhar em leituras, o que teve o condão de desde a adolescência me tornar ainda mais tímida. E olhava de lado e receosa, pelo exemplo familiar, qualquer tentativa de me namoriscarem. Inevitavelmente, o Dr. Osório e as suas preocupações e os seus desaires e sucessos e alguma ligeireza de espírito que o caracterizava introduziram-se com naturalidade no meu quotidiano, gerando um tipo de intimidade que resultou num romance vulgar, porque da minha parte nunca existiu um sério comprometimento sentimental. Misturei bastante o que era dedicação profissional com anseio amoroso. Quando mal me precato dou comigo grávida. Eu quis fazer um desmancho mas ele quis o filho e quis casar comigo.
Deontologia ou instinto paternal? Até hoje não soube distinguir, pois me parece que nunca conheci profundamente o Osório, mas a dúvida é razoável, pelo que se passou depois.
O Osório foi o meu primeiro marido mas a bem dizer não me deixou saudades. Diz-se, desde a Antiguidade, que o primeiro mês do casamento é Lua-de-mel e o segundo é Lua de absinto. O que não foi propriamente o meu caso, porque nem houve festa de núpcias nem gozámos lua-de-mel, que não havia dinheiro para extravagâncias, nem eu depois me senti desprezada ou muito sentida quando ao fim de ano e meio sobre o parto, tempo em que para cuidados maternos que eu não pretendera fui substituída no escritório por uma fulana género mosquinha morta, sem graça e frágil, inesperadamente descobri que eles se haviam envolvido em amigação desavergonhada.
De imediato concordamos em separar-nos. Sem divórcio e ficando ele com o encargo da nossa criança. De facto o miúdo estaria bem entregue a ele, que apesar da sua leviandade o adorava, e por enquanto pelo menos com melhores condições de educação pois o Osório tinha família, a qual eu aliás mal conheci.
Tenho de agradecer-lhe ter feito despertar a mulher que sou. Nesse período de contrariada maternidade, a rapariga simples, apagada, que passava despercebida em qualquer lado, sem pecados de vaidade, acentuadamente tímida, e mesmo pueril, que ainda não fora talhada para acomodada esposa, rebelou-se gradualmente, achou a sexualidade, encontrou justificadamente a graça do seu corpo, cuidou de discretamente se fazer admirar, foi dando bom valor à qualidade dos seus dons femininos, reavaliou a sua personalidade, floriu em mulher. Graças ao Osório, que foi sempre muito galante, amadureci, ganhei confiança em mim própria, adquiri sedução e percebi o poder de ser mulher. Não, não, até nos separarmos ele nunca teve um único sinal de infidelidade minha. Mas também não pode gabar-se, se é que deu pela minha transformação, de eu me ter usado para o apaixonar. Tratei-o sempre bem, dei-lhe bons momentos, e até um filho, mas, tenho de confessar, fiz tudo isso sem comprometimento íntimo, mais como liberal solicitude para com o meu “patrão” do que espontâneo afecto ao meu marido.
Hoje passei todo o dia intranquila com a sensação de que estive constantemente vigiada. Fiquei com ligeiras escoriações nos joelhos de quando ontem me arrastei, indiferente às dores, na áspera tijoleira da cozinha. Não me atrevi a ir à Enfermaria para me tratar. Para cúmulo, quando ia sentar-me a jantar houve uma estúpida novata que se levantou bruscamente dando-me um descuidado encontrão e o tabuleiro voou-me das mãos e comida e talheres provocaram gritaria e insultos pela minha aselhice. Não reagi aos desaforos, antes me penalizando — precisamente “aquela” voz foi uma das atingidas pela porcaria de comida que eu espalhei — pela minha desatenção e até consegui armar um sorriso aparvalhado. Penso que terá sido apenas uma provocação para observarem o estado da minha serenidade. Veremos o que se segue.
Qualquer coincidência
com factos e pessoas da vida real
é precisamente coincidência.
Escrito de acordo com a Antiga Ortografia
Submited by
Prosas :
- Login to post comments
- 1456 reads
other contents of Nuno Lago
Topic | Title | Replies | Views |
Last Post![]() |
Language | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/Sadness | Vou te deixar... | 0 | 1.754 | 11/09/2012 - 15:03 | Portuguese | |
Poesia/Passion | Minha tempestade | 0 | 1.017 | 11/09/2012 - 14:58 | Portuguese | |
Poesia/Disillusion | Será que tu tens perdão? | 0 | 976 | 11/09/2012 - 14:54 | Portuguese | |
Prosas/Ficção Cientifica | Quem? | 1 | 3.651 | 11/08/2012 - 19:32 | Portuguese | |
Poesia/Disillusion | Amargo desencontro | 0 | 1.270 | 11/08/2012 - 12:08 | Portuguese | |
Poesia/Sadness | Melancolia | 0 | 1.053 | 11/08/2012 - 12:04 | Portuguese | |
Poesia/Disillusion | Será que não? | 0 | 867 | 11/08/2012 - 11:59 | Portuguese | |
Poesia/Love | Gosto de te despentear | 3 | 715 | 11/07/2012 - 15:35 | Portuguese | |
Poesia/Erotic | Teu Baby Doll | 1 | 968 | 11/07/2012 - 15:28 | Portuguese | |
Poesia/Passion | Insaciáveis… | 0 | 1.093 | 11/07/2012 - 15:14 | Portuguese | |
Poesia/Poetrix | Poema para ti | 0 | 1.103 | 11/07/2012 - 15:09 | Portuguese | |
Poesia/Erotic | Até nunca mais! | 0 | 1.110 | 11/06/2012 - 11:58 | Portuguese | |
Poesia/Fantasy | Por que te inquietas!? | 0 | 831 | 11/06/2012 - 11:53 | Portuguese | |
Poesia/Love | É de ti assim que eu gosto | 0 | 898 | 11/05/2012 - 13:35 | Portuguese | |
Poesia/Passion | Cinzas | 0 | 845 | 11/05/2012 - 13:31 | Portuguese | |
Poesia/Disillusion | Por que me instigas? | 0 | 815 | 11/05/2012 - 13:28 | Portuguese | |
Poesia/Fantasy | Já!? | 1 | 757 | 11/03/2012 - 19:15 | Portuguese | |
Poesia/Disillusion | Guardei o teu perfume… | 0 | 1.012 | 11/03/2012 - 15:02 | Portuguese | |
Poesia/Love | Blasée | 0 | 1.089 | 11/03/2012 - 14:57 | Portuguese | |
Poesia/Joy | Inquietações | 0 | 906 | 11/02/2012 - 15:13 | Portuguese | |
Prosas/Contos | Parque Paraíso | 0 | 1.798 | 11/02/2012 - 15:08 | Portuguese | |
Poesia/Passion | Hora do Galo | 0 | 1.389 | 11/02/2012 - 14:57 | Portuguese | |
Poesia/Erotic | Quero tudo… | 0 | 1.218 | 11/01/2012 - 15:18 | Portuguese | |
Poesia/Erotic | … on the rocks | 0 | 1.099 | 11/01/2012 - 15:10 | Portuguese | |
Poesia/Erotic | NOSTALGIA | 0 | 872 | 11/01/2012 - 15:07 | Portuguese |
Add comment