O Idealismo Alemão - Parte V
Noutra obra de nossa autoria já ventilamos a questão da semântica como um poderoso fator inibitório à popularização da Filosofia e aqui encontramos outro exemplo desse fato com a palavra “Estética” que na atualidade é vulgarmente associada com beleza física, corpórea.
Na Filosofia clássica há, de fato, essa junção de Estética com o Belo (o “sentimento do belo”); porém para uso nesse Ensaio, resgata-se o significado original da palavra grega “Aisthetiké”, tendo-se, então, Sensações ou Sentimento.
Feita essa colocação, veremos que Kant chamou de “Filosofia Transcendental” o trabalho que desenvolveu para estudar a estrutura da mente e as Leis inatas do Pensamento, haja vista que tais questões transcendem, ultrapassam, e vão além da experiência sensorial. São, pois, transcendentais.
Nas palavras de Kant:
“Chamo de transcendental o conhecimento que se ocupa não tanto de objetos, quanto dos nossos conceitos a priori de objetos”.
Seu primeiro cuidado foi examinar o processo em que as Sensações se transformam em Percepções ou Pensamentos. Observou, então, que o mesmo se divide em dois estágios. A saber:
O primeiro estágio consiste em organizar a matéria-prima das Sensações com o intuito de enquadrá-las nas chamadas “Formas de Percepção” que são o Tempo e o Espaço.
O segundo estágio consiste em coordenar aquelas Sensações que já foram enquadradas no Espaço e no Tempo nas outras formas de concepção, as chamadas “Categorias do Pensamento*.
Usando a palavra “Estética” em seu sentido original (Sensação ou Sentimento), Kant chamou o primeiro estágio de “Estética Transcendental”. E usando a palavra “Lógica” com o significado de “Ciência das Formas de Pensamento”, chamou o segundo estágio de “Lógica ou Analítica Transcendental”.
São títulos que em um primeiro momento podem parecer indecifráveis e justamente por isso mereceram uma atenção individualizada.
Inicialmente examinaremos à seguinte questão: O que se entende exatamente por Sensações e por Percepções e como é que a mente transforma as primeiras nas últimas?
A Sensação, em si, é apenas a consciência de um estimulo ou, em outros termos, é sentir o efeito provocado por algo que nos atinge, como, por exemplo, o doce sabor da uva que comemos. O sentido do paladar nos deu essa Sensação, como antes o olfato já nos dera o odor da fruta etc. A Sensação, portanto, é o inicio bruto de qualquer experiência, ou de qualquer relacionamento com o mundo externo e não podem ser consideradas como “Conhecimento” exatamente por causa desse primarismo.
Contudo, quando várias Sensações sobre o mesmo objeto se agrupam no Espaço e no Tempo o individuo passa a ter a consciência de que aquele objeto existe realmente. Passa a ter uma “Percepção” daquela existência.
É o caso da uva citada no exemplo anterior, pois quando se juntam as Sensações de sabor, odor, visão etc. têm-se a consciência (ou se sabe) de que existe uma coisa que reúne ao mesmo Tempo e no mesmo Espaço todas aquelas Sensações. A Sensação transformou-se em Conhecimento.
Esse processo da Sensação transmutar-se em Conhecimento goza de aceitação pela maioria da comunidade filosófica, mas o consenso não se repete quando se pergunta sobre o motivo dele ocorrer.
Filósofos empiristas como Locke e Hume afirmam que as Sensações agrupam-se natural e espontaneamente, colocando-se automaticamente na ordem necessária para se transformarem em Percepções.
Kant, todavia, rejeitou esse automatismo que, a bem da verdade, iniciou-se no principio da Filosofia quando Platão usou uma frase dura para se referir às Sensações – a ralé dos Sentidos.
Para o mestre alemão, esses mesmos sentidos não passariam de uma tropa desorganizada e carente de um general que a organizasse. Um comandante que coordenasse a turba de sensações que chegam até a Mente através de inúmeros canais (ou orgãos dos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) e inúmeros nervos aferentes que passam pelos olhos, pelos ouvidos, pela epiderme) e que se depositam em suas câmaras à espera do necessário ordenamento para se transformarem em saber efetivo, deixando de ser um múltiplo confuso e inútil.
Para Kant, portanto, é imprescindível que haja uma força organizadora, pois, em primeiro lugar, deve-se observar que nem todas as mensagens trazidas pelas sensações são aceitas, vez que há uma multidão de estímulos indevidos que atingem inutilmente o indivíduo, pois apenas as Sensações que podem ser transformadas em Percepções adequadas ao propósito do sujeito, ou que lhe possam dar um aviso importante, como o de perigo, por exemplo, é que serão acatadas.
Um exemplo típico da situação descrita no parágrafo acima é a do tique-taque de um relógio que atinge continuamente o nosso ouvido, mas não é selecionado para se transformar em conhecimento, exceto se o nosso objetivo for escutar-lhe por algum motivo, como o de conferir o seu funcionamento regular.
Baseado nessas observações, Kant reafirmou, então, a sua opinião de que a associação das Sensações não acontece automaticamente por simples contiguidade de Espaço e Tempo, tampouco por analogia, frequência, intensidade etc.
A vinculação, segundo a sua ótica, só ocorre de acordo com o propósito do indivíduo. Segundo a sua vontade.
As Sensações e as Ideias são elementos subalternos que aguardam ao chamado da Mente, o “Agente de Seleção e de Direção”, que as utiliza segundo os seus objetivos, analogamente a um General que organiza as mensagens que lhe chegam, destinando-as corretamente.
Primeiramente ela utiliza os conceitos de Tempo e Espaço para classificar aquilo que lhe foi trazido. Em seguida, em átimos, atribui as Sensações a este ou àquele objeto e a este ou àquele momento do Presente ou do Passado.
O Tempo e o Espaço, onde ficam as Sensações, são elementos chaves no pensamento kantiano. Não são “coisas” que podem ser percebidas, mas são “modos de Percepção”; ou seja, maneiras de se perceber qualquer coisa, haja vista ser impossível notarmos a existência de algo se o mesmo não puder ser relacionado a algum lugar (ou espaço) e a algum tempo (se acontece, se aconteceu, acontecerá, se está, se esteve etc.).
Através desses “órgãos de percepção” é que se consegue dar sentido à Sensação, pois se elas não fossem organizadas segundo esses parâmetros seria como se recebêssemos apenas mensagens abstratas, surreais, desfocadas, justapostas, incompletas etc. que até poderiam ser belas, mas inaproveitáveis para a vida prática do indivíduo.
Espaço e Tempo são considerados saberes a priori; isto é, existentes antes de ter havido qualquer experiência empírica. Um tipo de “saber” que já está na mente do individuo desde o seu nascimento.
E são a priori porque toda experiência que foi organizada sinaliza que eles a organizaram e, portanto, antecederam-lhe. Sem eles, as Sensações jamais poderiam transformar-se em Percepções*. E, também, são a priori porque é inconcebível que venhamos a ter qualquer experiência no futuro que não os envolva.
Destarte, por serem a priori, são regidos pelas mesmas Leis absolutas e necessárias que regem a Matemática e as outras Ciências que possam vir a ser consideradas "A Priori", desde que os seus princípios básicos, ou seja, a Lei de Causa e Efeito* (ou Causalidade*), sejam comprováveis e elas possuam a característica de serem tão inerentes aos processos de compreensão que não se possa sequer pensar numa experiência sem as mesmas, como acontece, por exemplo, com o Tempo e o Espaço.
Produção e divulgação de TANIA BITENCOURT, letrre, l´art e la culture, Assessoria de Imprensa e de RP. do Rio de Janeiro em Maio de 2014.
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