Retrato de uma triste infância

Escrito em 1894, pelo francês Jules Renard, Foguinho (Poil de Carotte), é em parte uma obra autobiográfica, com a qual o autor encontrou uma maneira de expressar o seu ressentimento em relação à mãe e sua descrença de que o lar familiar é um ninho de amor e proteção, podendo ser mesmo um lugar opressor, onde a pessoa se sente infeliz e rejeitada.
Foguinho, filho mais novo do Sr. e da Sra. Lepic, recebeu da mãe essa alcunha por ser ruivo e sardento. Em nenhum momento do livro, aliás, chega-se a mencionar seu nome verdadeiro. 
Além de colocar o apelido no filho, sua mãe o humilha, nega-lhe agrados e o rebaixa diante dos irmãos mais velhos, Ernestina e Félix, os quais se divertem assistindo às atitudes monstruosas desta para com o caçula que, aparentemente, suporta tudo resignado.
Enquanto vemos o desenrolar da vida de Foguinho, percebemos que ele, ainda que viva em um ambiente opressor, consegue encontrar formas de aproveitar a vida e esconde dentro de si uma grande revolta que não consegue externar. A cor do seu cabelo pode ser uma alusão à sua ira que, embora não externada, está sempre ali, acompanhando-o. Sua revolta é piorada pela solidão já que, além da mãe e dos irmãos o discriminarem, seu pai está frequentemente fora de casa e ignora os abusos.
O livro é escrito numa linguagem simples, sem floreios ou palavras desnecessárias. Não há reflexões nem são dadas pistas explicando o comportamento dos personagens nem o porquê da mãe ser tão cruel para com o filho quando se espera que uma mãe seja uma fonte de amor e compreensão. Apenas vão sendo mostrados os acontecimentos e como Foguinho reage a eles.
Outra característica marcante do romance é a de não retratar as crianças como seres puros e imaculados. Dessa forma, Foguinho é ardiloso, mente, maltrata animais e guarda rancor, sendo bastante humano nas suas necessidades, sentimentos e defeitos. Pode-se dizer que a escrita de Jules Renard recebeu uma forte influência da Escola Naturalista, por apresentar os fatos e personagens como quem apresenta um estudo de caso, sem fazer um retrato idealizado da família e da infância, sem julgar moralmente os personagens e descrevendo os maus-tratos sofridos por Foguinho com um realismo brutal, que nos toca e comove sem ser piegas.
No final, damo-nos conta da enormidade da dor de Foguinho quando este revela seus reais sentimentos, expressando-os com palavras cheias de mágoa e revolta, o que nos revela os danos emocionais decorrentes de anos de abusos físicos e psíquicos sofridos por uma criança que sente que não é amada em sua própria casa.

Submited by

Saturday, July 26, 2014 - 13:42

Críticas :

No votes yet

Atenéia

Atenéia's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 7 years 39 weeks ago
Joined: 03/21/2011
Posts:
Points: 2453

Add comment

Login to post comments

other contents of Atenéia

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Críticas/Books Vozes da infância 0 5.448 01/02/2016 - 20:38 Portuguese
Poesia/Sonnet Quando ela me visita 0 1.737 12/30/2015 - 18:41 Portuguese
Poesia/Love Senti o amor chegar 0 1.923 12/30/2015 - 18:39 Portuguese
Poesia/Joy Um sopro de esperança 0 2.127 12/29/2015 - 18:04 Portuguese
Poesia/Disillusion Lacunas 0 1.562 12/29/2015 - 18:01 Portuguese
Poesia/General Meu corpo não é seu 0 1.460 12/28/2015 - 15:42 Portuguese
Críticas/Books Voando para viver 0 5.366 12/28/2015 - 15:09 Portuguese
Críticas/Books Um universo individual 0 6.940 12/27/2015 - 09:52 Portuguese
Poesia/Disillusion E se você 0 2.074 12/27/2015 - 09:41 Portuguese
Poesia/Gothic Senti que ela vinha 0 4.028 12/11/2015 - 19:57 Portuguese
Poesia/Gothic Gargalhadas 0 2.514 12/11/2015 - 19:52 Portuguese
Poesia/Meditation Perco as palavras 0 4.347 12/09/2015 - 15:40 Portuguese
Poesia/General Amanhecer 0 2.696 12/09/2015 - 15:39 Portuguese
Poesia/Haiku Brisa 0 4.474 12/09/2015 - 15:36 Portuguese
Poesia/Meditation A verdade 0 2.961 12/08/2015 - 13:44 Portuguese
Poesia/Meditation Para o que vivemos 0 2.786 12/08/2015 - 13:42 Portuguese
Poesia/Passion Rosa vermelha 0 2.443 12/03/2015 - 18:45 Portuguese
Poesia/General Nobody waits for us 0 5.706 12/03/2015 - 18:41 English
Poesia/General Yo no tengo miedo 0 2.388 12/03/2015 - 18:38 Spanish
Poesia/Meditation Don't lie to me 0 4.678 12/02/2015 - 19:39 English
Poesia/Meditation Acabou o tempo 0 2.626 12/02/2015 - 19:36 Portuguese
Poesia/Love Whispering for you 0 5.067 11/28/2015 - 20:08 English
Poesia/Fantasy Um coro de anjos 0 1.253 11/28/2015 - 20:05 Portuguese
Poesia/Gothic Você matou meu amor 0 1.965 11/22/2015 - 11:53 Portuguese
Poesia/Gothic Why should I live 0 3.341 11/22/2015 - 11:48 English