Spinoza e o Panteísmo - Parte X - Matéria e Mente
Teve razão o filósofo Malebranche ao afirmar que o processo Mental e o processo Cerebral não se relacionam entre si, que são independentes e apenas de maneira providencial é que se tornam paralelos?
Será que a Mente é material? Será o corpo apenas uma ideia?
O processo Mental será a Causa, o motivo do processo Cerebral? Ou será o Efeito, o resultado, do mesmo?
Essas questões permeiam varia tendências filosóficas* e teológicas, sem que haja qualquer definição conclusiva sobre as mesmas, restando-nos examinar todas elas, enquanto se saboreia essa amplidão de opções, já que está no exercício da investigação a oportunidade de se transcender o mundo pequeno das certezas menores.
Para Spinoza, a Mente não é material, tampouco a Matéria é mental. Em consequência, o processo cerebral não é a causa nem o efeito do processo mental. Para ele, ambos não podem ser independentes ou dependentes; paralelos ou não; pelo simples motivo de que, na verdade, são apenas um.
Fiel à tese Unicista, para o filósofo, não existem duas entidades ou dois processos. Existe apenas um, o qual, por vezes aparece como pensamento e às vezes como movimento. Apenas uma entidade, ora vista internamente como mente e ora vista externamente como matéria. E justamente porque formam uma Unidade, a Mente e o Corpo não atuam um sobre o outro. Em suas palavras:
“O corpo não pode determinar que a Mente pensa; nem a Mente determinar que o corpo fique em movimento, em repouso ou sem qualquer outro estado (pela simples razão de que) a decisão da Mente e o desejo e a determinação do Corpo são uma única coisa”.
E da mesma forma que acontece em determinado processo, o mesmo se dá em todos. O mundo é unificadamente duplo. Pode-se dizer que todo “processo externo, material”, não passa de outro aspecto do “processo interno”. Que seja a sua “cópia”.
O processo “interno e mental” correlaciona-se essencialmente com o “externo e material”, pois a Substância Pensante e a Substância Ampliada (a extensão, a matéria) são exatamente a mesma coisa, mudando, apenas, em diferentes momentos, a maneira como “essa coisa única” se apresenta; ou seja, às vezes com a sua faceta mental e interna e, noutras, com o seu aspecto material e externo.
A esse respeito, Spinoza retorna à sua antiga formação judaica e diz que:
“Certos judeus parecem ter percebido isso, embora de forma confusa, porque diziam que Deus e seu intelecto e as coisas concebidas pelo seu intelecto, eram exatamente a mesma coisa”.
Para ele, se o conceito “Mente” for considerado em seu mais amplo sentido e com isso passar a designar todas as ramificações do sistema nervoso, ver-se-á que toda alteração no corpo físico tem uma idêntica correspondência na Mente, pois, assim como o pensamento e os outros processos mentais (memória, imaginação etc.) estão organizadamente ligados na Mente; as modificações do corpo físico e as alterações das outras coisas materiais que afetam o corpo através das sensações, também estão.
Conclui-se, portanto, que nada acontece ao corpo que não seja percebido pela Mente (mesmo que seja de forma irracional, intuitiva) e que a emoção que for sentida faz parte de um “todo”, do qual as alterações fisiológicas constituem o seu aspecto externo, perceptível. Até as infinitesimais sutilezas de uma reflexão matemática, tem o seu correspondente material*.
Spinoza, para contra-argumentar a concepção cartesiana de que há uma separação entre Corpo e Mente, buscou reduzir a questão a uma mera diferença presumida entre o intelecto (o cérebro racional) e a vontade (instintiva); já que, para ele, inexistem, enquanto entidades separadas, as chamadas “faculdades mentais (raciocínio, memória, imaginação etc.)”, o “intelecto” e a “vontade”.
Em sua concepção, a Mente não é um “depósito” onde se guarda e onde se lida com as ideias, pois, na verdade, são as próprias ideias concatenadas que a formam.
Prosseguindo, ele afirma que o “intelecto” é apenas um nome, um título, que indica uma série de noções, concepções, ideias; enquanto que a “vontade” é apenas uma denominação dada a um conjunto de ações e volições.
Dessa sorte, ele reafirma que o “intelecto” e a “vontade” são exatamente a mesma coisa, porque uma volição (a decisão de se fazer algo) é apenas uma ideia que devido à riqueza de associações, demorou-se o suficiente na consciência para passar à ação. Afinal, toda ideia se torna uma ação se não for impedida, durante a transição, por uma ideia oposta. A ideia é o primeiro estágio de qualquer processo orgânico unificado; e a ação é o seu resultado.
Por outro lado, aquilo que normalmente é chamado de “vontade” e que dispara o impulso para se agir, seria mais apropriado se fosse chamado de “desejo”, pois, a rigor, ela é um instinto de que temos consciência, ao contrário dos outros que existem, sem que deles tenhamos conhecimento racional, como, por exemplo, “desejo de autopreservação” ou de “sobrevivência” que Spinoza afirma subjazer a todas as atividades dos Seres vivos. Em seus termos:
“Tudo, desde que esteja em si mesmo, esforça-se por persistir em seu próprio Ser; e os esforços com os quais uma coisa procura persistir sem seu próprio Ser nada mais são do que a verdadeira essência** dessa coisa”.
E porque a função dos instintos é de capital importância, a satisfação ou a frustração de um deles é o que causa a dor ou o prazer. O homem não deseja alguma coisa porque ela lhe dará prazer, pois o que lhe dará o real prazer é o fato de ele ter satisfeito o seu Amo e Senhor: o desejo. O homem deseja as coisas porque os Instintos – disfarçados de desejos – obrigam-no a desejá-las.
E sendo desse modo, segundo o ideário spinoziano, não existe um verdadeiro “livre-arbítrio”, já que a imperiosa necessidade de sobreviver, determinada pelo Instinto, é que rege o “desejar humano”, que, por sua vez, governa todo pensamento e ação do homem. Inexiste na Mente a “vontade humana” absoluta e livre, haja vista que ao se desejar qualquer coisa, a Mente opera sob o comando de uma série de “Causas” que lhe são superiores. A esse respeito, aliás, tornou-se lapidar a sentença exarada pelo filósofo:
“Uma pedra lançada no ar ignora porque voa e passa a acreditar que é ela quem comanda o seu voo”.
Considerando-se, portanto, que não há um efetivo “livre-arbítrio” e que as formas de vida obedecem a um Determinismo*** inexorável, para Spinoza, nada mais apropriado do que se estudar as questões éticas e morais da mesma maneira que estudam a matemática e a geometria.
Nota do Autor* – Os adeptos do Behaviorismo, por exemplo, propuseram detectar os pensamentos de um indivíduo, gravando as vibrações ocorridas nas suas cordas vocais.
Nota do Autor** - o leitor não deixará de perceber que essa colocação spinoziana é a base para os posteriores sistemas de Schopenhauer e de Nietzsche.
Nota do Autor*** o Determinismo sofre grande rejeição em quase todas as camadas intelectuais, pois ao homem é cara e preciosa a ilusão de que comanda o próprio pensar e agir. Porém, paradoxalmente, esse mesmo homem não titubeia em se mostrar servil e submisso a um hipotético Ser Supremo, servindo essa obediência até motivo de engrandecimento social e de justificativa para as carnificinas religiosas. Essa quimera humana, na verdade, não passa de um artifício que a natureza lhe impõe para disfarçar seus próprios instintos, deixando-lhe a ilusão de reger seu próprio destino, enquanto rejeita a autodestruição.
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