Rousseau e o Romantismo - Parte XII - A Religião
A Religião segundo Rousseau
Logo de início ele deixa claro que não lhe tem antipatia geral, mas, também, que faz sérias restrições a certos tipos de crenças, chamadas de:
1. Religião dos homens – organizada.
2. Religião dos homens – informal
3. Religião do cidadão.
A primeira “religião dos homens” é organizada, hierarquizada e supranacional, sendo, por isso, desmotivadora do patriotismo e competidora do Estado pela lealdade do indivíduo. É o caso do Catolicismo, que pode levar o indivíduo até a supor que não deve fidelidade à nação, já que a hierarquia organizada da Igreja pode ajudar a organizar um movimento de resistência contra o próprio Estado.
A segunda “religião dos homens” pode ser exemplificada pelo Calvinismo, que não tem hierarquia nem organização, limitando-se à pregação do cristianismo dos evangelhos, centrando-se na moral e na adoração ao ente divino. Para Rousseau é uma religião pura, honesta e santa; porém, ainda assim, também é prejudicial ao Estado, pois, a sua doutrina, o Cristianismo em si, independentemente de como se organiza, é negativo para o País por valorizar as “coisas celestes1” em detrimento das “coisas terrenas”. Em suas palavras:
“Cristandade não é deste mundo e por isso tira do cidadão o amor pela vida na terra. O Cristianismo é uma religião totalmente espiritual, preocupada somente com as coisas do céu; a pátria do cristão não é deste mundo”.
Para Rousseau, os cristãos de um modo geral são pouco ligados ao mundo físico e por isso são desinteressados em lutar contra as tiranias. Ademais, são maus combatentes, porque esse desinteresse não lhes estimula a belicosidade necessária em um exército que se pretende mortal.
Assim sendo, as “religiões do homem” não lhe agradavam, embora ele as tolerasse, ao contrário de outros Pensadores, principalmente Voltaire e os demais Enciclopedistas.
A terceira forma de crença a “religião do cidadão”, também chamada de “religião nacional” ou “religião civil” reunia a adoração à divindade com a adoração à Lei, ao Estado, fazendo com que a Pátria fosse o objeto de sua veneração. Ao “cidadão devoto” era ensinado que o “serviço do Estado” é o “serviço de Deus”. Exemplo desse tipo de religiosidade seria a que fora praticada na antiga Roma.
Contudo, apesar de possuir tantas virtudes, a “religião do cidadão” também não era a sua favorita, pois ela poderia tornar-se uma fonte de problemas se viesse a ser gerida por interesses escusos, baseando-se em erros e mentiras, tornando os homens ignorantes, supersticiosos e “sedentos de sangue”, sempre predispostos à guerra.
Dessa sorte, como esses três tipos de fé apresentavam defeitos importantes e não se pudesse escolher a que fosse melhor, Rousseau defendeu a ideia de se conceder ampla liberdade a todas, exigindo-se em contrapartida que houvesse irrestrita tolerância entre elas. E, principalmente, que as doutrinas pregadas pelas mesmas se ocupassem exclusivamente dos dogmas religiosos, abdicando de qualquer envolvimento com as questões políticas, sociais, econômicas etc., sob a pena de castigos muito severos para quem desobedecesse tal principio.
O Estado não deveria2, portanto, estabelecer uma “Religião Oficial” cujo seguimento fosse obrigatório, como acontece atualmente em alguns países islâmicos. Porém, deveria ser especialmente duro para legislar, fiscalizar e punir qualquer movimento religioso que pudesse colocar o Estado em risco, tanto por concorrer pela lealdade do cidadão-devoto, quanto por fomentar divisões, sectarismos, rebeliões etc.
Segundo o filósofo, qualquer Religião para ser considerada aceitável deveria ater-se somente às suas práticas rituais e a promover a harmonia, a concórdia social e a obediência à autoridade governamental. Em suas palavras:
“O Estado não deveria estabelecer uma religião, mas deveria usar a lei para banir qualquer religião que seja socialmente prejudicial. Para que fosse legal, uma religião teria que limitar-se a ensinar a existência de uma divindade onipotente, inteligente, benevolente que prevê e provê; uma vida após a morte; a felicidade do justo: a punição dos pecadores; a sacralidade do contrato social e da lei”.
Para Rousseau, as prerrogativas do Estado em relação à Religião teriam origem nos próprios elementos constituidores da Sociedade, pois a supremacia da “Vontade Geral (que veremos adiante)” é inconteste ante a “Vontade de uma Maioria”, a qual é constituída no interior da Sociedade e, portanto, inferior a ela. Desse modo, não haveria o que se discutir acerca da legitimidade do Estado regular as funções religiosas, eliminando-a inclusive, se essa o ameaçasse.
Todavia, essa postura rígida de Rousseau contra a Religião sofreu um desvio em 1762 quando ele estava refugiado em Neuchatel e escreveu em “Lettrés Ecrites de la Montagne” uma vigorosa defesa da liberdade religiosa contra a ortodoxia da igreja e contra a polícia, enquanto tecia considerações sobre a Constituição de Genebra. É verdade que para alguns estudiosos, essa defesa foi feita apenas como uma provocação ou como uma represália do filósofo contra o Estado e contra a Igreja Oficial genebrina pelas perseguições que ambos lhe moviam.
De qualquer forma, a história registrou apenas as suas ideias conforme a exposição anterior. Ele tolerava a religião, desde que ela não prejudicasse a Sociedade, pois via em sua prática uma forma do homem exercitar parte de seu Sentimentalismo, libertando-se, ainda que momentaneamente, do Materialismo.
No próximo capítulo veremos as ideias do filósofo acerca da Arte e da Ciência.
Nota do Autor1 – desnecessário dizer, pois o leitor já notou que aqui está uma das fontes em que o filósofo Nietzsche bebeu para compor suas críticas à moral cristã.
Nota do Autor2 – ademais, caso o Estado a proibisse, a Religião usaria o fato como mais uma de suas bandeiras – perseguida como foram os primeiros Cristãos, como foi o próprio Jesus Cristo etc. – para consolidar e aumentar o seu poder, tornando-se, então, cada vez mais perigosa.
Lettré, l´art et la Cuture. Rio de Janeiro, Primavera de 2014.
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