Descartes e o Racionalismo - Parte IX - O primeiro filósofo moderno - Cogito Ergo Sun

 

Como já foi dito em várias ocasiões, o significado original do termo “filósofo” remete ao conceito de “amigo do saber, dos estudos” e é desse modo que o título dado a Descartes deve ser entendido, pois a sua genialidade não ficou limitada à Filosofia teórica, abstrata, voltada para as questões metafísicas, elementares, primeiras, essenciais etc.; embora, a sua contribuição nesse campo tenha sido de tal magnitude que fica difícil imaginar o desenvolvimento da disciplina sem a sua participação.

Antes, porém, de falarmos sobre a sua enorme contribuição à disciplina do pensamento, falaremos de seu trabalho no campo das ciências, onde ele imperou absoluto até a chegada de Sir Isaac Newton (Grã Bretanha, 1643-1727) com suas geniais descobertas e soluções.

Para Descartes, o universo seria completamente preenchido, inexistindo, portanto, qualquer forma de vazio. Tese, aliás, que atualmente é defendida pelos adeptos da “matéria escura”, que permearia todos os espaços existentes entre os corpos luminosos e os iluminados.

E fiel às suas convicções religiosas, ele afirmava ser o cosmo uma criação de Deus, dotado de mecanismos capazes de controlá-lo perpetuamente, sem a necessidade de Sua intervenção direta. Argumento que posteriormente serviu de base para que Spinoza desenvolvesse seu magistral ideário.

Outra contribuição importante no campo das ciências foi a atualização que ele fez do conceito platônico de divisão da realidade em:

Res Cogitans – relativa à mente (cogito, cogitar), à consciência, ao espírito, à alma.

Res extensa – relativa à matéria, ao físico, ao concreto.

E foi no terreno da matemática que o seu contributo atingiu o máximo, tanto que os antigos e atuais próceres do assunto não hesitam em reconhecer a importância de sua “Geometria Analítica”, já que antes de sua descoberta, a álgebra e a geometria eram consideradas ramos totalmente separados, impossibilitando a resolução de vários problemas teóricos e de várias questões práticas, como as de engenharia, por exemplo.

Ao ensinar como transpor os problemas da geometria para a álgebra, através de um sistema de coordenadas, ele, seguramente, proporcionou inumeráveis avanços nas ciências, como bem comprova o fato de que seu sistema serviu de base para as pesquisas de homens como Leibniz e o próprio Newton.

E a grandiosidade de sua inteligência fica ainda mais evidente quando se recorda que essas descobertas foram citadas por ele sem qualquer vaidade, cerimônia ou pompa, sendo colocadas em sua obra “Discurso sobre o método”, apenas como simples “exemplos”.

Por fim, retomando a Filosofia teórica, veremos que o seu “ceticismo metodológico”, vai além do embasamento científico e se constitui em poderosa ferramenta para as investigações metafísicas, filosóficas.

O seu sistema (totalmente diferente do antigo sistema dos céticos) parte do pressuposto de que o “ato de duvidar” existe realmente; mas, o restante só pode ser considerado efetivamente existente se puder ser comprovado de maneira absoluta, por intemédio de reflexões e de deduções lógicas, racionais.

Baseado nessa premissa, o filósofo buscou provar a efetiva existência do próprio “eu” através do exercício da dúvida, dando origem ao famoso: Cogito, ergo Sun; ou seja, porque eu tenho a capacidade de duvidar, eu sou (eu existo).

Contudo, a “dúvida sistemática” não foi a sua única ferramenta e, por isso, em relação à efetiva existência de Deus, ele partiu da constatação de que há naturalmente na mente do homem a ideia de um “Ser perfeito”, mesmo sendo ele, o homem, um Ser imperfeito. Esse reconhecimento de que existe uma “perfeição” já seria, a seu ver, a comprovação suficiente da existência da divindade. Uma conclusão absolutamente crível por ser oriunda de uma dedução racional e lógica e não uma ideia imposta com base apenas em suposições religiosas. 

Aqui importa notar que mesmo que se discorde dessa sua conclusão, há que se louvar o fato dele buscar essa comprovação racional, o que foi um considerável avanço para a época. Uma respeitável ruptura de paradigma que apenas por si justifica o epíteto de “Pai da Filosofia moderna” que lhe foi conferido.

No próximo capítulo trataremos de outra de suas grandes contribuições ao saber do homem, a geometria.

Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro. Primavera de 2014.

Submited by

Saturday, December 20, 2014 - 20:29

Prosas :

No votes yet

fabiovillela

fabiovillela's picture
Offline
Title: Moderador Poesia
Last seen: 8 years 18 weeks ago
Joined: 05/07/2009
Posts:
Points: 6158

Add comment

Login to post comments

other contents of fabiovillela

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Love Ausentes 0 1.980 01/05/2015 - 00:04 Portuguese
Poesia/Love O Gim e o Adeus (2015) 0 2.766 12/31/2014 - 14:02 Portuguese
Prosas/Others Descartes e o Racionalismo - Parte XII - A Metafísica 0 4.419 12/29/2014 - 19:06 Portuguese
Poesia/General Gauche 0 2.187 12/26/2014 - 18:50 Portuguese
Prosas/Others Descartes e o Racionalismo - Parte XI - O Método 0 3.303 12/24/2014 - 20:01 Portuguese
Prosas/Others Descartes e o Racionalismo - Parte X - A Geometria Analitica 0 4.737 12/24/2014 - 19:57 Portuguese
Poesia/Love Quietude 0 1.790 12/21/2014 - 21:03 Portuguese
Prosas/Others Descartes e o Racionalismo - Parte IX - O primeiro filósofo moderno - Cogito Ergo Sun 0 4.121 12/20/2014 - 20:29 Portuguese
Prosas/Others Descartes e o Racionalismo - Parte VIII - A época e o ideário básico 0 4.424 12/20/2014 - 20:25 Portuguese
Prosas/Contos Farol de Xenon 0 3.109 12/20/2014 - 00:40 Portuguese
Prosas/Others Descartes e o Racionalismo - Parte VII - Notas Biográficas 0 6.503 12/19/2014 - 12:56 Portuguese
Poesia/Meditation Sombras 0 2.852 12/17/2014 - 23:21 Portuguese
Prosas/Others Descartes e o Racionalismo - Parte VI - Preâmbulo e índice de obras 0 3.604 12/17/2014 - 13:07 Portuguese
Prosas/Drama Nini e a Valsa 0 5.212 12/17/2014 - 00:56 Portuguese
Poesia/Love As brisas e as rendas 0 2.451 12/15/2014 - 21:08 Portuguese
Prosas/Others Descartes e o Racionalismo - os Tipos de Razão Filosófica 0 3.924 12/13/2014 - 18:53 Portuguese
Poesia/Love Desencontros 0 2.392 12/10/2014 - 19:41 Portuguese
Poesia/Love Navegante 0 2.639 12/05/2014 - 00:21 Portuguese
Poesia/Love Evoé 0 2.745 12/03/2014 - 00:17 Portuguese
Prosas/Others Descartes e o Racionalismo - Parte IV - o Racionalismo 0 5.813 12/01/2014 - 14:21 Portuguese
Poesia/Love A Face 0 1.497 11/29/2014 - 23:20 Portuguese
Prosas/Others Descartes e o Racionalismo - Parte III - o Racionalismo - continuação 0 7.153 11/27/2014 - 14:33 Portuguese
Prosas/Others Descartes e o Racionalismo - Parte II - o Racionalismo 0 2.872 11/26/2014 - 14:03 Portuguese
Poesia/Love A Dança 0 1.215 11/23/2014 - 18:28 Portuguese
Prosas/Others Descartes e o Racionalismo - Preâmbulo (Apêndice: a Razão) 0 4.143 11/22/2014 - 20:56 Portuguese