A morte de Sofia 3.ª parte
Percebo um túnel, de onde vem uma luz muito forte, muito branca, mas meus olhos não se ferem. Ouço sons distantes, como se alguém se lamentasse. Alguém que não vejo me pergunta:
-Que fazes aqui, Sofia?
-Morri.respondo.
-Vejo que tu não te incomodas por estares aqui, onde passam todos os que morrem.
-Não, não me incomodo. Penso que estou livre, livre dos meus pais, dos meus irmãos, da minha vida.
-E tu pensas que a morte te trará paz, Sofia? Para sermos felizes na pós-vida, temos que ter sido felizes em vida.
-Mas o ser humano nunca é inteiramente feliz. Na vida, enfrentamos decepções e injustiças. E perdemos, vamos sempre perdendo.
-Vejo que estás com dúvidas, criança.
-Não, não tenho dúvidas. Sei que estou morta e não quero voltar à vida.
-Bem, a palavra "morte" é imprópria, Sofia. Ninguém realmente morre. Nós apenas passamos de um estágio para outro, esta é a verdade de todas as formas de vida. Mas eu sinto que não era tua hora.
-Então, por que estou aqui?
-Tu sofreste um acidente e teu espírito está em suspensão. Mas tu podes voltar.
Penso que não quero voltar, pois, que vida me espera? Uma vida de frustrações e dor, uma vida que me pesa insuportavelmente.
-Eu não quero voltar, prefiro morrer.
-Sofia, não podemos querer ser Deus, decidindo quando nascemos ou morremos. Devemos cumprir nosso tempo, ou bagunçaremos a ordem cosmológica, o Universo. É isso que tu queres?
-Não, mas também não quero voltar para junto de minha família.
-Sei das tuas dores, criança.
Por um instante, a dor que eu vinha carregando nos últimos tempos voltou, lembrando-me meu desespero, a vontade de morrer, de dar um fim definitivo a tudo que me causava dor, angústia e medo. Agora, que eu morrera, eu não precisava sentir mais medo, pois, estando morta, eu não morreria ou seria ferida.
-Não devemos nos apegar à dor, minha filha. a voz que me falava assumiu um tom maternal.
Senti-me abraçada como nunca o fora em vida.
-Eu te ajudarei, criança. Confia em mim.
-Por que quer me ajudar?
-Por amor, criança, apenas por amor. O amor é a única razão da vida.
Pela primeira vez desde que morrera, eu me sentia bem.
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