O fantasma da velha escola - 8
Alfredinho andava à beira de um rio, cansado e resfolegando como um cavalo. Sentou sobre uma pedra, indagando-se quanto tempo demoraria até chegar ao local que pretendia.
-Logo, será o pôr-do-sol. Não aguento mais andar.
Uma pessoa usando roupas muito gastas e um agasalho com capuz apareceu, perguntando:
-Cansado, amigo?
-Sim.Andei demais.
-Gostaria de ir à outra margem do rio para encurtar o caminho?
-Como? O rio é muito largo. Se eu for, vou me molhar todo. E eu não sei nadar. Tenho medo d'água.
-Logo, passa um barqueiro. Ele leva você.
Realmente, não demorou a aparecer um barco que vinha muito devagar, conduzido por uma pessoa em roupas escuras que usava imenso chapéu de palha. A pessoa parou de remar e Alfredinho falou:
-Por favor, leve-me à outra margem.
Quando Alfredinho se levantou da pedra, a pessoa junto dele falou:
-Abra a mão.
Alfredinho a abriu e a pessoa colocou uma moeda na sua mão.
-Leve, você vai precisar.
-Obrigado.
Com cuidado, Alfredinho foi até o barco e falou:
-Por favor, quero ir á outra margem.
O barqueiro fez os gestos de levantar a mão e a cabeça e Alfredinho ficou paralisado ao ver que a mão que se estendia para receber a moeda era a mão de um esqueleto. Atônito, Alfredinho olhou para o rosto do barqueiro. Diante dele, uma caveira de olhos vazios e sem o menor resquício de carne.
Alfredinho tremeu, mas a caveira permaneceu imóvel, esperando pela moeda. Após algum tempo, o rapaz conseguiu correr, o medo fazendo o suor escorrer pela sua testa.
Não chegara muito longe quando dois braços o agarraram. Era a mesma pessoa que lhe dera a moeda.
-O que foi, rapaz?
-O-o-o ba-barqueiro! E-e-ele é-é u-uma ca-caveira!
-E você correu por causa disso, seu covarde? Alfredinho, você não muda mesmo!
A pessoa sabia seu nome? Como podia ser?
-Ei, você...
A pessoa desceu o capuz. Era José Afonso, com a pele pálida e acinzentada dos mortos, os olhos vidrados, inexpressivos e cercados de marcas roxas e um ferimento na testa, do qual descia um filete de sangue coagulado. O sorriso era desprovido de calor, as mãos que o seguravam eram frias, repugnantes e secas como papel apergaminhado.
-Jo-José Afonso?! Alfredinho tremeu.
José Afonso o encarou com olhos que lembravam os de um animal morto.
-Sou eu mesmo, covardão. Puxa, quando eu caí da escada, você e o Marcão correram como duas menininhas.a voz era sardônica.
Quase chorando, Alfredinho disse:
-José afonso, eu sei que o Marcão e eu fomos dois covardes e o abandonamos.
-É, seu mariquinha, você foi covarde. mas eu não esperava de você nada além disso. O que me doeu foi o Marcão ter fugido e me largado ali. A gente era amigo de infância. Eu fiquei mais de um dia ali, vendo meu corpo caído e apodrecendo, aguentando aquela fantasma chata!
-Por favor, Zé Afonso...
-Ela não para de rir, a fedelha! Ri como uma demente! Ah, o Marcão e você vão me pagar, vão sim! Vocês são dois bostas, dois bostas...cantarolou.
O medo de Alfredinho foi se intensificando porque, enquanto José Afonso cantava e gargalhava, sua pele ia se tornando esverdeada e flácida, inchando e se rompendo, exalando um cheiro de carne podre.
-Está com medo, Alfredinho? empurrou-o e Alfredinho caiu, olhando para ele.
-N-não!
-Alfredinho, eu já atravessei aquele rio! - a gargalhada era triste e funesta - Agora, chegou sua vez!
-N-n-nãooooooo!!!
José Afonso foi se decompondo até sobrar apenas o esqueleto que, no entando, continuava rindo e cantando:
-Logo, logo
Alfredinho
virará uma
caveirinha
e de sua carne
não sobrará nadinha...
-N-não, n-nãoooooo!
-Alfredinho!
-Não, não!
Submited by
Prosas :
- Login to post comments
- 3343 reads
other contents of Atenéia
Topic | Title | Replies | Views |
Last Post![]() |
Language | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/General | Still trying | 0 | 2.832 | 01/13/2013 - 11:06 | English | |
Poesia/Love | Livre para amar | 0 | 1.352 | 01/12/2013 - 15:52 | Portuguese | |
Poesia/Gothic | I don´t wait anymore | 0 | 3.841 | 12/24/2012 - 12:46 | English | |
Poesia/Gothic | Dark secrets | 0 | 3.689 | 12/22/2012 - 10:02 | English | |
Poesia/Friendship | A little about you | 0 | 6.083 | 12/21/2012 - 11:55 | English | |
Poesia/Friendship | A little about you | 0 | 5.374 | 12/21/2012 - 11:55 | English | |
Poesia/Meditation | Fracassos | 0 | 2.394 | 12/13/2012 - 17:52 | Portuguese | |
Poesia/Meditation | Únicos | 0 | 1.874 | 12/13/2012 - 17:49 | Portuguese | |
Poesia/Love | Sweetness | 0 | 3.897 | 12/10/2012 - 18:31 | English | |
Poesia/Disillusion | If you really care | 0 | 4.166 | 11/10/2012 - 10:24 | English | |
Poesia/Disillusion | O que sinto | 0 | 1.824 | 11/03/2012 - 13:55 | Portuguese | |
Poesia/Fantasy | The dark forest | 0 | 5.090 | 10/27/2012 - 10:15 | English | |
Poesia/Acrostic | Loucura | 1 | 5.009 | 10/26/2012 - 17:00 | English | |
Poesia/General | O tempo não espera | 0 | 2.887 | 10/21/2012 - 18:35 | Portuguese | |
Poesia/General | I want my voice to reach you | 0 | 4.078 | 10/20/2012 - 20:20 | English | |
Críticas/Movies | A lógica do medo | 0 | 8.449 | 10/16/2012 - 13:49 | Portuguese | |
Poesia/Friendship | I will reach you | 0 | 6.044 | 10/15/2012 - 20:21 | English | |
Poesia/Meditation | Interrogação | 0 | 3.942 | 10/10/2012 - 14:34 | Portuguese | |
Poesia/Fantasy | When I am alone | 0 | 5.167 | 10/07/2012 - 11:07 | English | |
Poesia/Love | Apenas me abrace | 0 | 1.400 | 10/05/2012 - 20:44 | Portuguese | |
Poesia/Passion | Beija-me | 0 | 1.819 | 10/03/2012 - 17:36 | Portuguese | |
Poesia/Love | You don't need me | 0 | 2.986 | 10/01/2012 - 09:13 | English | |
Poesia/Love | We'll be together | 0 | 2.905 | 09/30/2012 - 12:55 | English | |
Poesia/Meditation | Aves solitárias | 0 | 3.442 | 09/29/2012 - 12:30 | Portuguese | |
Poesia/Gothic | Melancholy | 0 | 4.816 | 09/24/2012 - 20:31 | English |
Add comment