PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS POMBAS.

O Jardim da Luz atualmente está todo cercado e razoavelmente cuidado.
Mas deixou de ser nostálgico e agradável. Na verdade, muitas pessoas, que por ali cortam caminho, passam apressadamente e receosas.
Porque? Há! Há! Vai lá e veja.

As pessoas antigamente passeavam por suas alamedas despreocupadas e namoravam em seus bancos de cimento, ouvindo o realejo. Tiravam fotos no lambe-lambe, que insistiu em ali permanecer até pouco tempo atrás. Bebiam água pura no burburinho da fonte, enquanto as crianças corriam espantando as pombas. Ora, as pombas...

Hoje essas avezinhas atrevidas não se espantam mais. Elas se integraram à pressa e ao barulho da cidade. Elas expulsaram o lambe-lambe e sujaram a água da fonte. Ocupam agora todos os espaços. Invadem as alamedas, as ruas, sapateiam nos bancos, e perturbam os namorados. Se aparecer uma em seu trajeto, por favor, pare! Pare e espere, porque ela dificilmente mudará o próprio caminho, e é por isso que as chamo de atrevidas, prepotentes e tendenciosas. Elas não se preocupam nem com os carros, nem com as motos. Perdem a perna porque não têm cabeça.

Pode reparar, o máximo que elas fazem para colaborar é apressar o passo. Saem da nossa frente rebolando e ainda dão aquela olhadinha para trás com ar de superioridade. Mas existe o outro lado da pomba, digo, existe o outro lado da estória.

Outro dia conversando com uma pomba, ela me chamou a atenção para alguns fatos importantes. Ela reclamou que são discriminadas.
- Você amigo com certeza nunca viu uma pomba pequena, um filhote de pomba.
Só permitimos que nossos filhotes saiam do ninho quando já estão adultos, é a única maneira de sobreviver entre os humanos. A vida fora do berço é dura. O dia todo estamos atrás de alimento, enquanto engulimos fumaça desviando dos carros, que atiram fuligem em nossas penas. Jamais um carro freou para uma de nós. Nenhuma moto percebe nossa existência. Nenhum ser humano nos dá passagem.

Nem as crianças nos atiram pipoca. Não há mais nenhuma demonstração de carinho.
Somos totalmente ignoradas.

Algumas da nossa espécie conseguiram posição social elevada, mas formam uma minoria como as “pombas-mártires” imoladas na ara de Javé em expiação dos erros humanos, como a pomba da paz eternizada por Picasso, como os “pombos-correio”, os pombinhos dos mágicos, e aquelas “pombas-de-revoada”, soltas em festividades políticas, velórios notáveis e importantes solenidades militares.

Eu também tive sonhos na minha adolescência, eu também quis ser famosa, mas morando aqui na praça eu não tive nenhuma oportunidade.
Você se lembra da canção Pombinha Branca, foi composta em homenagem a minha tataravó.

- É dona pomba, até que você tem motivo para ser tão despeitada.
- E tem mais, desculpe a franqueza, mas nós entendemos o comportamento humano porque da mesma maneira que nos ignoram, vocês ignoram seus próprios semelhantes, principalmente aqueles de idade mais avançada.
Eu tenho reparado como tratam seus idosos. Também não dão atenção a eles, vocês os ignoram
.
Seus representantes no governo acham que eles são um fardo.
E Vocês eleitores não cobram as autoridades que vocês revestiram de poder. Não lhes pagam o justo salário pela contribuição que deram durante toda uma vida. Os filhos também não procuram saber suas necessidades.
Os carros e as motos também não os respeitam. Vocês os depositam em asilos, sem perguntar qual o desejo deles. Nem os netinhos os tratam com respeito. São tão discriminados quanto nós. E vocês dizem que são criados à imagem e semelhança do seu Criador.

Sabe, amigo, pensando bem, eu prefiro ser pomba.
(jthamiel)

Submited by

Saturday, May 28, 2016 - 03:03

Prosas :

No votes yet

J. Thamiel

J. Thamiel's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 10 hours 24 min ago
Joined: 05/02/2016
Posts:
Points: 4132

Add comment

Login to post comments

other contents of J. Thamiel

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Meditation CRUZAMENTO CENTRÍFUGO 0 1.260 06/21/2017 - 17:28 Portuguese
Poesia/General ÀS VEZES, POESIA 0 1.917 06/14/2017 - 14:10 Portuguese
Poesia/General PERDIDOS NO TEMPO - (o tempo é o melhor conselheiro) 0 3.300 06/13/2017 - 13:41 Portuguese
Poesia/General E AS VACAS? 0 3.323 06/08/2017 - 15:31 Portuguese
Poesia/General SEGUNDA-FEIRA SEM SENTIDO 0 2.684 06/06/2017 - 14:47 Portuguese
Poesia/Comedy DITOS NÃO DITOS 0 2.991 06/02/2017 - 11:59 Portuguese
Poesia/General HÁ TEMPO PARA TUDO 0 2.117 05/28/2017 - 03:34 Portuguese
Poesia/General A FORÇA 0 1.700 05/25/2017 - 16:38 Portuguese
Poesia/General T R I L H A S 0 2.174 05/22/2017 - 14:46 Portuguese
Poesia/Acrostic POETA DO ABC, D, E, F, G... 1 4.360 05/20/2017 - 20:09 Portuguese
Poesia/Disillusion REVOLTA 0 3.163 05/18/2017 - 11:31 Portuguese
Poesia/Meditation J E S U S 0 1.933 05/17/2017 - 14:30 Portuguese
Poesia/General FLOR SELVAGEM (Rima livre) 0 2.393 05/12/2017 - 17:19 Portuguese
Poesia/General P I N T I N H O S 0 4.235 05/11/2017 - 14:15 Portuguese
Poesia/General EU ME TORNEI POETA... 0 2.253 05/10/2017 - 12:19 Portuguese
Poesia/Fantasy CONCEITOS TRIVIAIS E COISAS TAIS 0 6.187 05/04/2017 - 12:24 Portuguese
Poesia/Dedicated SEM QUERER (Dedicado aos amigos poetas) 0 1.656 04/27/2017 - 12:12 Portuguese
Poesia/General ESCRAVOS DE JÓ 0 3.651 04/26/2017 - 13:30 Portuguese
Poesia/Disillusion UM POETA COM VERGONHA DE SEU PAÍS 1 1.657 04/25/2017 - 10:51 Portuguese
Poesia/General EVERYBODY NEEDS A FRIENDLY WORD 0 1.993 04/21/2017 - 13:45 Portuguese
Poesia/Fantasy CHEGAR DA NOITE 0 2.601 04/20/2017 - 15:01 Portuguese
Poesia/Joy O U T O N O - (Ensaio: Poema Bárbaro versos com mais de 12 sílabas) 0 4.112 04/17/2017 - 14:12 Portuguese
Poesia/Fantasy O B L A T A - - - (Poema Bárbaro - Versos com mais de 12 sílabas métricas) 0 7.145 04/16/2017 - 13:19 Portuguese
Poesia/Disillusion BRASIL 0 4.154 04/05/2017 - 12:09 Portuguese
Poesia/Meditation O JUÍZO FINAL 0 1.884 04/01/2017 - 20:57 Portuguese