Uma Nobre Varina (poema de mariacarla e Mefistus)
Um retrato a uma classe já desaparecida das nossas praças. Tributo a quem muito pregão soltou.
Mulher que gingava a canastra,
Sem futuro, ou sorte madrasta.
De buço contido em seu rosto,
Pregoava o peixe com gosto.
Clamando enquanto podia:
“Comprai os filhos da maresia!
Que na Quaresma, carne é heresia,
E a sardinha é bem sadia!”
Toc, toc, bate as socas na calçada.
Saia preta ao joelho
Enfeita toda de rodada,
Meias gastas, pretas, esburacadas.
Levando na mão a enteada
Apesar da pobre se fazer rogada,
Também esta tem que entrar
Na maldita apregoada:
“Peixe fresco, peixe fresco
Acabadinho de pescar
Oh cliente venha ver
Tanto peixe, deste mar!”
Ela que sonhava um escritório
E não este trabalho inglório
Seu pai lhe tinha dito:
“Todo o trabalho é bendito!”
Mulher sem mãe, criança jovem
Um pescador como pai
Sete irmãos p’ra sustentar
E eu aqui a apregoar:
“Fresco… fresquinho
Do mar é este peixinho
Sardinha, pargo e faneca,
P´ro vinho beber de caneca!”
No regresso até casa
Ainda com canastra cheia
Na Taberna do Julião
Se ouve um forte pregão:
“Oh povo que nada me compras,
Preferes no “hiper” comprar
Peixe podre e congelado
E a pobre varina, que vá roubar!”
Assim nunca mais me safo!
Exclama a pobre desgraçada…
Tantas bocas de sustento
Em tão grande sofrimento!
O taberneiro, de a ver chorosa,
Logo chama: “ Oh Inês, maravilhosa,
Deixa essa gente rancorosa
E comigo vem, viver na Costa”
“Tu estás mangando de mim,
Taberneiro desgraçado
Achas que eu sou assim,
Queres comer só um pedaço!”
Taberneiro ressentido
Foi falar ao pescador:
“Quero a mão da tua filha
Que lhe tenho muito amor”
Casamento consumado
Com taberneiro respeitado,
Agora passa na rua ,
De cabelo arranjado.
Inês já não é varina
É madame, bonitinha!
Compra o peixe na rua
À madrasta, que lá passa.
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Comments
Re: Uma Nobre Varina (poema de mariacarla e Mefistus)
Uma nobre profissão, e uma justa homenagem acompanhada de bonitas quadras.
Meus parabéns!
Vitor