O meu casamento...

Vesti-me de bucólico,
num casamento melancólico comigo mesma...
A minha alma escorreu e vestiu-me de branco,
havia um cheiro de pranto a poluir o ar,
entre os passos em compasso de funeral que
me levavam ao altar...
A musica de chilreio de pássaros moribundos
era a minha banda sonora,
como galos entoando a alvorada,
está na hora, está na hora, esta na hora...
Os falos todos a dizerem-me adeus com lenços brancos
pareciam carpideiras...
Ainda dizem q um homem não chora!
Atrás de mim mulheres a desunhar-se
para agarrar o meu bouquet e eu
a chorar as flores mortas
q tenho na mão e a imagina-las cheias de larvas...
Somos tão parvas, nós, as mulheres...
Tão deliciosamente apaixonadas por sermos especiais...
Pé ante pé chego,
perto do senhor que se masturba às escondidas
e diz q o amor é pecado e o prazer é mortal...
Nas bancadas inúmeros casais q se odeiam,
mas estão juntos por causa dos filhos, ou do carro, ou da casa...
Desejam em segredo que eu seja tão infeliz como eles,
cheios de medo que eu lhes prove
que a felicidade é possível...
As crianças riem, choram mas afinal Deus não gosta,
porque toda a gente as manda calar...
Tinha esperança que Deus gostasse de escutar as crianças...
E o senhor manda-me ajoelhar ao nivel da cintura dele,
acho aquilo perturbador, mas faço-o...
Abençoa aquilo que ele não conhece,
o amor...
Casa-me comigo mesma e livra-me do pecado,
apesar de ter desejado tomar-me ali mesmo,
na bênção daquele altar,
ante os aplausos de todos
e os gemidos de muitos,
corados, transpirados,
de dedos e mãos tremulas buscando orgasmos,
deitados nos chão, olhando o tecto,
sentindo que o prazer nos leva até Ele...
Beijo-me repetidamente e acaricio-me
porque me pertenço
e aquilo q Deus une ninguém pode separar!
Separo o meu bouquet e dou uma flor
a cada mulher para q encontre o seu amor por si mesma,
acima de tudo!
Dou um beijo no padre, e mordo-lhe a língua
para q nunca mais blasfeme o prazer...
Arranco o Cristo da cruz,
porque me custa vê-lo ali nu,
cheio de frio...
Deito-o no meu colo
e digo às crianças q gritem e chorem e cantem,
que ensinem aos pais que não são responsáveis
pela infelicidade que os une
e o som das suas vozes não envergonha ninguém...
O som de vida na igreja aquece o Cristo...
Agradece-me com os olhos, sorri...
Nunca tinha visto o Cristo a sorrir,
tem um sorriso lindo...
Esta será a melhor memoria que guardarei do meu casamento!

Inês Dunas
Libris Scripta Est

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Monday, April 26, 2010 - 13:49

Poesia :

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Librisscriptaest

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Mefistus's picture

Re: O meu casamento...

Bucólico= Puro, ingênuo, singelo, cândido.
http://pt.wiktionary.org/wiki/buc%C3%B3lico

A alma escorreu-te, como que levada na enxurrada de lágrimas. Como que materializada em pranto de renascido corpo.
O vestido branco imaculado, numa alma pardacenta, sedenta que te deixou.
entre os passos em compasso de funeral que
me levavam ao altar...
.
O corpo vai, quando a mente já não tem saudade!
Tão deliciosamente apaixonadas por sermos especiais...
A paixão do inatingivel, num gesto inverosimel de sussurro ao ouvido confidente do leitor. Por quem choramos, se só temos quem não amamos?

Parte 2:
Raiva de não te perceber, de não te ver, de tudo ser...

Dou um beijo no padre, e mordo-lhe a língua
para q nunca mais blasfeme o prazer...
Arranco o Cristo da cruz,
porque me custa vê-lo ali nu,

A revolta, a mágoa de um corpo lirico, inatingivel para ti e tudo o que ele representa.
è um caminhar sonolento, num corpo esquecido, pela alma que Grita...não vás, filha!

Deito-o no meu colo
e digo às crianças q gritem e chorem e cantem,
que ensinem aos pais que não são responsáveis
pela infelicidade que os une

Se Amar é pecado, em pranto torturado é no teu colo imaculado, para que os outros, os puros, os castos, percebam da sua inocência

Aflitivo este teu poema. Desconcertante, mas éticamente perfeito.
Não para escandalizar, mas para admirar e sussurrar:

BENDITO CRISTO EM COLO CASTO

Já agora...

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Re: O meu casamento...

A noiva cadáver, versão Waf?
Excelente a visão de ..."Os falos todos a dizerem-me adeus com lenços brancos".
Gosto de como escreves e sigo-te atenta.
Num branco puro, que larvas não obedecem, nem derretem!

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