Por Ti Seguirei... (14º episódio)
(continuação de http://galgacourelas.blogs.sapo.pt/48023.html)
…
Alinhados pela paliçada Sul, os cerca de 30 celtas tinham a postos muitas pedras e dezenas de flechas, todas munidas com estopa molhada em azeite, para levarem o fogo sobre a barreira até às altamente inflamáveis tendas do inimigo.
Verificada a carência de água e prevendo que a maioria dos Romanos já estaria a tentar o primeiro sono, Rubínia deu sinal para que se carregassem as fundas.
Com a arma preparada para lançar, cada fundibulário marcou uma mira entre as sentinelas. O som característico do movimento circular desenhado pelas fundas no ar ouvia-se em surdina. Saíram da vegetação para campo aberto e soltaram em uníssono os rebos bem afeiçoados que haviam recolhido no rio. Como uma chuva de meteoros e confirmando a destreza dos braços municiadores, os projécteis atingiram em cheio os legionários, tombando-os, uns para o fosso de dentro, outros para o fosso de fora, do muro. Recarregaram com mais pedras e acabaram com os guardas, de torres e paliçada, desse lado do campo, sem que fosse dado o alarme.
Sem perder tempo, trocaram de armas. Três cavaleiros, empunhando archotes, percorriam a linha de arqueiros e acendiam a mecha das flechas.
Sem opositores no muro, chegaram-se bem perto para enviar as setas incendiárias bem profundamente no acampamento inimigo. Sempre a manusear os arcos, recuaram progressivamente para que as flechas seguintes caíssem noutros pontos, propagando assim irremediavelmente o incêndio. Esgotados os objectos de arremesso, pegaram fogo ao mato e correram para os cavalos. Circundaram a fortaleza por Oeste e pegaram fogo também desse lado.
Apanhados de surpresa e com a maioria ensonada, os Romanos esqueceram completamente a disciplina e lançaram-se a apagar os múltiplos fogos, disseminados no interior do arraial. As tendas ardiam como cera e ao tombarem ou através dos pequenos farrapos flamejantes que se soltavam, perpassavam o incêndio nas imediações. Correram ao rio mas, espanto, só encontraram pequenas poças, de onde dificilmente enchiam as cabaças. Pegaram em mantas e, com elas, batiam furiosamente nas labaredas. Todavia, o fogo estava já disperso e faminto.
Dado o alerta, logo as tropas de intervenção se prepararam para sair do campo, ao encontro dos atacantes. Não foram longe: lá fora também tudo ardia. Reforçaram a vigilância da muralha e concentraram-se no fogo interno, tentando salvar o máximo possível.
Com o incêndio a propagar-se para Norte, a maioria dos legionários estacionados desse lado, correram a acudir a catástrofe ou a desmontar as tendas ou mesmo a salvar os bens pessoais.
A vigilância dos prisioneiros e das portas Norte reduziu drasticamente. Ouviu-se então o grito: - “Por Endovélico!”
Era o sinal! Rampa acima, Alépio exortou os cativos para a saída. No topo, os falsos Arevacos já manchavam o solo da Ibéria com sangue romano. Apesar de algumas baixas entre os Celtas, ambos os portões foram abertos.
Por razão do seu número elevado, demorou a vazão de todos os prisioneiros. Estes, à medida que se espalhavam pela área Norte do campo, proviam-se com armas, retiradas aos mortos ou simplesmente abandonadas junto das tendas.
E foi a tempo. Após o desespero inicial, o comandante romano conseguiu formar parte das tropas e marchar sobre a zona da prisão. Percebeu imediatamente qual era o fundamento daquele ataque. Porém, o cenário não lhe era favorável. A ocupação do espaço interior do campo, acrescido de estar tomado pelo fogo, não permitia as manobras e as tácticas de guerra tão características dos latinos. Para que os inimigos não escapassem impunemente, não teve outra solução que não fosse ordenar e dirigir um contra-ataque desordenado e de combate corpo a corpo.
Alépio, através de bandeiras improvisadas com insígnia celta, chamou a si os que pertenciam às tribos ocidentais ibéricas. Conseguiu reunir cerca de centena e meia de guerreiros. Conduziu-os para as portas Norte, agora franqueadas. Gurri aguardava.
- “Vamos, não há tempo a perder, temos de subir às montanhas dos meus aliados Cantabri o quanto antes.”
O caos grassava na fortaleza. O incêndio incontrolável e os encarniçados combates ocupavam os vivos e davam causa às centenas de mortos.
Partiram os Celtas, cavalgando a galope pelas estepes, no dorso dos cavalos subtraídos aos romanos. Já ao longe, num último olhar para o cenário que abandonavam, todo o campo parecia uma enorme bola de fogo. A astúcia vencera a força. Mantiveram o forte ritmo de viagem, durante toda a noite.
Pelo amanhecer, num ancestral lugar que encabeçava uma arriba altaneira, marcado centralmente por um, não menos vetusto, santuário, pararam para descansar. Homens e animais estavam exaustos. Alguns menos afortunados careciam de tratamento a ferimentos colhidos na refrega.
Escolheram também esse sítio sagrado para ponto de encontro com o grupo que perpetrara o ataque do exterior. Após ter executado as acções de terra queimada, Rubínia passou pelas portas Norte, apenas para verificar se os companheiros tinham tido sucesso com a abertura daquelas. Tendo-o confirmado, embora contrariada porque queria participar da liça, avançou para Norte, tal como haviam decidido.
Não tinham alimentos, mas também não tinham lembrança de comer. Saciaram sim, a sede, naquelas águas frescas que mergulhavam serra abaixo.
Já um pouco recompostos, Alépio expediu 3 homens de volta ao centro da peleja, para verificarem o que se tinha passado entretanto e qual era a situação. Os nomeados levaram montadas de substituição, para trocarem e assim cumprirem a ordem de forma mais célere. A hoste descansaria ali e aguardaria o regresso daqueles.
(continua…)
Andarilhus
XI : VIII : MMX
Submited by
Prosas :
- Login to post comments
- 2772 reads
other contents of Andarilhus
Topic | Title | Replies | Views |
Last Post![]() |
Language | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/Love | Confidência | 1 | 1.285 | 09/14/2009 - 16:47 | Portuguese | |
Poesia/Disillusion | Anátema | 4 | 995 | 08/21/2009 - 15:44 | Portuguese | |
Poesia/Gothic | Mortes | 5 | 739 | 07/23/2009 - 02:27 | Portuguese | |
Poesia/Love | Túnica de Águas Doces | 2 | 592 | 06/27/2009 - 11:29 | Portuguese | |
Poesia/Sadness | O novo génesis III: Os Salmos Apócrifos | 2 | 728 | 06/27/2009 - 06:40 | Portuguese | |
Poesia/Love | Rendilhados de luz e sombra | 2 | 733 | 06/20/2009 - 12:44 | Portuguese | |
Poesia/Gothic | O Novo Génesis II: A Floresta dos Encantamentos | 3 | 792 | 06/07/2009 - 05:13 | Portuguese | |
Prosas/Tristeza | …E tanto que tinha para te dizer… | 5 | 1.126 | 05/13/2009 - 22:00 | Portuguese | |
Prosas/Thoughts | O Novo Génesis: I - Epístola do Amor (resgatado) | 2 | 908 | 05/06/2009 - 16:35 | Portuguese | |
Poesia/Aphorism | Enxoval | 6 | 972 | 05/04/2009 - 22:22 | Portuguese | |
Prosas/Romance | Por Ti Seguirei... (7º episódio) | 0 | 1.257 | 01/28/2009 - 12:07 | Portuguese | |
Prosas/Romance | Por Ti Seguirei... (6º episódio) | 0 | 976 | 01/23/2009 - 16:11 | Portuguese | |
Prosas/Romance | Por Ti Seguirei... (4º episódio) | 0 | 697 | 01/19/2009 - 11:52 | Portuguese | |
Prosas/Lembranças | Das certezas (Tomo V) | 1 | 1.251 | 11/05/2008 - 21:41 | Portuguese | |
Prosas/Romance | Por ti Seguirei... (3º episódio) | 1 | 988 | 10/22/2008 - 20:59 | Portuguese | |
Prosas/Others | Não te Esvaeças! | 2 | 935 | 10/18/2008 - 16:10 | Portuguese | |
Prosas/Romance | Por Ti Seguirei... (1º episódio) | 1 | 1.182 | 08/13/2008 - 22:06 | Portuguese | |
Prosas/Others | De Olhos Fechados... | 1 | 1.642 | 08/08/2008 - 22:21 | Portuguese | |
Prosas/Drama | Profissão... com Fé | 2 | 739 | 08/08/2008 - 21:38 | Portuguese | |
Prosas/Others | A Terra Rasgada ao Meio | 2 | 1.005 | 08/02/2008 - 23:36 | Portuguese | |
Poesia/Gothic | Labores de Cristal | 2 | 1.092 | 06/18/2008 - 00:37 | Portuguese | |
Prosas/Fábula | Nas Asas de Ícaro | 1 | 1.560 | 06/13/2008 - 17:23 | Portuguese | |
Prosas/Others | A Esfinge | 1 | 862 | 06/11/2008 - 23:33 | Portuguese | |
Poesia/Love | Ósculo Dei [O beijo de dEUS] | 3 | 1.021 | 06/07/2008 - 23:32 | Portuguese | |
Prosas/Others | A Revolta dos Sonhos | 3 | 948 | 06/05/2008 - 19:46 | Portuguese |
Add comment