Por Ti Seguirei... (20º episódio)

(continuação de http://galgacourelas.blogs.sapo.pt/49497.html)

Alépio posicionou os homens de acordo com o armamento disponível. Numa primeira linha, reuniu algumas dezenas de guerreiros com falcatas e os poucos escudos de que dispunham. Imediatamente a seguir colocou uns quantos homens com chuços pesados e compridos, que substituiriam as inexistentes lanças longas. Atrás e sobre uma suave elevação estavam então os lanceiros de pedras e os escassos arqueiros. Na última posição e já sobre a margem do rio, mantinham-se aqueles que não dispunham de armas, preparados para substituir os companheiros feridos ou mortos, reutilizando as suas armas.

A única vantagem disponível para os Celtas era saberem com precisão quem iam enfrentar. Ocupavam um lugar muito rochoso e irregular, pejado de árvores e arbustos. A cavalaria romana que se aproximava, para combater, teria de prescindir das montadas, sujeitando-se a uma situação difícil, uma vez que os cavaleiros não ostentavam os atributos de técnica e recursos mais apropriados para lutar como peões (não estavam equipados com os grandes escudos da infantaria e as armas de ataque eram mais ligeiras). Por outro lado, quem detinha esses predicados, a poderosa infantaria Romana, ia alongar a sua chegada ao planalto e tardaria a reunir em formação de batalha com efectivos suficientes. Se conseguissem rechaçar a investida inicial da cavalaria, poderiam ganhar tempo e vender bem cara a derrota. Era curta a vantagem, mas não displicente.

No extremo contrário do planalto começava a adensar-se uma nuvem de poeira. Sinal do grande movimento que se acercava. Uns atrás de outros, os cavaleiros desembocavam do trilho, como se saíssem de um buraco de túmulo, e agrupavam-se sobre o manto verde. Quando a formatura terminou, eram perto de 3 centenas de pontos cintilantes ao Sol, de armaduras bem polidas. Por alguns instantes só se ouviu o cantar vertiginoso do Ebrol, na sua prolongada queda pela serrania.

Verificados os rastros, os Romanos retomaram a marcha, em 6 colunas, direitos ao reduto Celta. Presumiam-nos nas cercanias, já que estavam sem cavalos, mas não desconfiavam que se haviam acantonado e se aprestavam para os enfrentar.

Não demoraria muito a que os inimigos encontrassem Alépio e os seus. Estes mantinham-se atentos e prontos. Cada qual passava pelo pensamento as imagens da sua vida e recordava os momentos e os entes mais queridos, alentando-se para a liça.

Tongídio estava na linha da frente da defesa e remoía-se de ansiedade para se atirar aos inimigos. A tatuagem do urso azul ganhava relevo no braço, como que se tivesse vida própria. Rubínia secundava-o e não arredava pé, por muito que o marido lhe implorasse para que recuasse para junto do Ebrol.

Chegados a meio do planalto, alguns cavaleiros dispersaram, adiantando-se ao grosso da força. Os legionários que sondavam o outeiro toparam com os Celtas e, logo ali, um deles foi a primeira baixa da rixa, com o rosto desfeito pelo arremesso de um fundibulário. Estavam abertas as hostilidades.

Os sons e o galope estridente resultantes desta escaramuça alertaram a formação dos Romanos que, após ordem superior, acorreram aos companheiros que desciam da elevação. Pararam no sopé desta, a alguma distância da área arborizada. Assim que o comandante teve conhecimento da localização dos Celtas, dividiu a hoste em grupos mais pequenos e ordenou que tomassem posição estratégica em volta do sítio. De seguida, de cada ponto do cerco, saíram vários cavaleiros, que se entranharam em força no outeiro, por todas as direcções, lançando uma chuva de dardos contra os barricados. No reduto, os Celtas abrigaram-se e aguentaram o ataque, obrigando depois os atacantes a recuar, ameaçados pelos longos e pontiagudos virotes de madeira e pelos projécteis. Os dardos dos legionários feriram 3 dos defensores, que foram imediatamente substituídos pelos guerreiros da retaguarda.

Entre os Romanos, as baixas foram bem mais significativas. A dificuldade de movimento dos cavalos entre as rochas e o arvoredo expunha por longo tempo homens e animais, alvos fáceis para as armas de arremesso. Os arcos e as fundas celtas provocaram morte e ferimento a vários soldados. Alguns ficaram a obstruir o solo junto à frágil fortificação, dificultando ainda mais a manobra dos cavaleiros activos. As investidas sucediam-se, mas redundavam sempre em fracasso e numa crescente disparidade entre os homens abatidos dos dois lados da contenda.

O chefe da cavalaria romana, Lucius Severinus, ambicionava ganhar o mérito e a glória de capturar os fugitivos que Marcus Minucius Rufus tanto desejava. Certamente que a recompensa seria excepcional. Talvez até o regresso a Roma e um cargo na magistratura. O ataque não estava a resultar: os cavalos não eram vantagem naquele terreno. E, tal como Alépio previra, decidiu forçar o andamento dos acontecimentos, ordenando aos seus comandados que desmontassem e atacassem os Celtas a pé, confiante que o número superior de efectivos seria suficiente para obter a vitória.

Lucios Severinus sentia a oportunidade a escapar-se-lhe das mãos. A infantaria já deveria estar sobre a subida para o planalto. Reuniu consigo uma centena de legionários e concentrou os restantes em duas filas circundantes ao morro e deu sinal para avançarem. Porém, estes, não estavam confortáveis com a situação e sentiam-se algo deslocados das suas funções de combate. Apenas com a gládio na mão e um pequeno escudo no braço, começaram a subir a encosta em linhas o mais cerradas possíveis que o relevo e os obstáculos permitiam. A meio da subida já estavam completamente desorganizados.

Em cima, Tongídio e companheiros aproveitavam a pausa para recuperar as barreiras e reforçá-las, utilizando mesmo os corpos dos legionários e dos cavalos liquidados. Chegaram-se à frente os guerreiros com os paus longos, na expectativa de mais um assalto da cavalaria.

Porém, quando alguém gritou que os Romanos voltavam à carga e que vinham apeados, rapidamente trocaram para as posições iniciais.

Desta vez, sim, não faltariam os combates corpo a corpo.

X: IX : MMX

Andarilhus

Submited by

Sunday, September 12, 2010 - 17:37

Prosas :

No votes yet

Andarilhus

Andarilhus's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 14 years 8 weeks ago
Joined: 03/07/2008
Posts:
Points: 868

Add comment

Login to post comments

other contents of Andarilhus

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Love Confidência 1 1.313 09/14/2009 - 16:47 Portuguese
Poesia/Disillusion Anátema 4 1.010 08/21/2009 - 15:44 Portuguese
Poesia/Gothic Mortes 5 789 07/23/2009 - 02:27 Portuguese
Poesia/Love Túnica de Águas Doces 2 653 06/27/2009 - 11:29 Portuguese
Poesia/Sadness O novo génesis III: Os Salmos Apócrifos 2 766 06/27/2009 - 06:40 Portuguese
Poesia/Love Rendilhados de luz e sombra 2 792 06/20/2009 - 12:44 Portuguese
Poesia/Gothic O Novo Génesis II: A Floresta dos Encantamentos 3 833 06/07/2009 - 05:13 Portuguese
Prosas/Tristeza …E tanto que tinha para te dizer… 5 1.167 05/13/2009 - 22:00 Portuguese
Prosas/Thoughts O Novo Génesis: I - Epístola do Amor (resgatado) 2 959 05/06/2009 - 16:35 Portuguese
Poesia/Aphorism Enxoval 6 1.025 05/04/2009 - 22:22 Portuguese
Prosas/Romance Por Ti Seguirei... (7º episódio) 0 1.295 01/28/2009 - 12:07 Portuguese
Prosas/Romance Por Ti Seguirei... (6º episódio) 0 1.005 01/23/2009 - 16:11 Portuguese
Prosas/Romance Por Ti Seguirei... (4º episódio) 0 735 01/19/2009 - 11:52 Portuguese
Prosas/Lembranças Das certezas (Tomo V) 1 1.330 11/05/2008 - 21:41 Portuguese
Prosas/Romance Por ti Seguirei... (3º episódio) 1 1.019 10/22/2008 - 20:59 Portuguese
Prosas/Others Não te Esvaeças! 2 942 10/18/2008 - 16:10 Portuguese
Prosas/Romance Por Ti Seguirei... (1º episódio) 1 1.241 08/13/2008 - 22:06 Portuguese
Prosas/Others De Olhos Fechados... 1 1.705 08/08/2008 - 22:21 Portuguese
Prosas/Drama Profissão... com Fé 2 778 08/08/2008 - 21:38 Portuguese
Prosas/Others A Terra Rasgada ao Meio 2 1.084 08/02/2008 - 23:36 Portuguese
Poesia/Gothic Labores de Cristal 2 1.148 06/18/2008 - 00:37 Portuguese
Prosas/Fábula Nas Asas de Ícaro 1 1.589 06/13/2008 - 17:23 Portuguese
Prosas/Others A Esfinge 1 913 06/11/2008 - 23:33 Portuguese
Poesia/Love Ósculo Dei [O beijo de dEUS] 3 1.053 06/07/2008 - 23:32 Portuguese
Prosas/Others A Revolta dos Sonhos 3 1.019 06/05/2008 - 19:46 Portuguese