William Shakespeare : A Comédia dos Erros – Ato IV - Cena I
Cena I
(Uma praça pública. Entram o segundo mercador, Ângelo e um oficial de justiça.)
Mercador
Desde o passado Pentecoste a conta me ficaste devendo, sem que a afronta de vos cobrar té agora eu vos fizesse; nem a faria ainda, se não fosse ter de ir à Pérsia e estar necessitado de florins para a viagem. Por tudo isso, dai-me satisfação; caso contrário, este oficial tem ordem de prender-vos.
Ângelo
Antífolo me deve justamente a soma que eu vos devo Neste instante deixei com ele uma cadeia de ouro, cujo importe às cinco horas será pago. Se a bondade tiverdes de ir comigo até sua casa, saldarei a dívida e me confessarei muito obrigado.
(Vindo da casa da Cortesã, entram Antífolo de Éfeso e Drômio de Éfeso.)
Oficial
Poupai-vos do trabalho; ei-lo que chega.
Antífolo de Éfeso
Enquanto o ourives eu procuro, trata de comprar uma corda, cujas pontas destino a minha esposa e seus comparsas, por me terem vedado, em pleno dia, a entrada em minha casa. Não demores; compra a corda depressa e leva-a a casa.
Drômio de Éfeso
Comprarei uma renda de mil libras! Vou comprar logo a corda.
(Sai.)
Antífolo de Éfeso
Bem aviado ficará quem em vós tiver confiança. Dissestes que a cadela levaríeis, mas visita nenhuma me fizestes. Certamente não foste, por pensar que o nosso amor seria mais durável nos liames da cadeia; e, assim, faltastes.
Ângelo
Pondo de parte o vosso humor jocoso, eis a nota do peso da cadeia, té o último quilate. A qualidade do ouro e a mão de obra dispendiosa, soma perfazem superior de três ducados à que eu devo a este amável cavalheiro. Por isso vos suplico lhe pagardes, pois precisa viajar, só estando, agora, a aguardar que eu a dívida liquide.
Antífolo de Éfeso
Não tenho aqui dinheiro suficiente para essa conta. Além do mais, preciso fazer alguns negócios na cidade. Ide, meu bom senhor, com este estrangeiro, à minha residência, sem deixardes de levar a cadeia. Minha esposa vos pagará a soma combinada. É bem possível que cheguemos juntos.
Ângelo
Então vós mesmo levareis o mimo?
Antífolo de Éfeso
Não; levai-o vós mesmos; estou com pressa.
Ângelo
Muito bem; a cadeia está convosco?
Antífolo de Éfeso
Uma vez que comigo não se encontra, convosco está, decerto. Do contrário, força será voltardes sem dinheiro.
Ângelo
Por obséquio, senhor, dai-me a cadeia, pois este cavalheiro está com pressa, que os ventos e a maré têm prazo certo. Para minha vergonha, já o retive mais do que fora justo.
Antífolo de Éfeso
Ora, senhor, lançais mão desse plano, como escusa por haverdes faltado com a palavra de irdes ao Porco-espinho. A mim cabia censurar-vos a falta; ao invés disso, deblaterais como mulher furiosa.
Mercador
Senhor, as horas passam; vamos logo.
Ângelo
Bem vedes como agora ele se esquiva. A cadeia...
Antífolo de Éfeso
Levai-a à minha esposa; ela vos pagará.
Ângelo
Vamos com isso; sabeis que eu vo-la dei faz pouco tempo. Dai-me um sinal qualquer, ou devolvei-a.
Antífolo de Éfeso
Ora, a pilharia passa dos limites. A cadeia, senhor! Deixai-me vê-la.
Mercador
Não tenho tempo para tais parlendas. Dizei-me, bom senhor, vosso propósito: pagais ou não? No caso de recusa, farei que este oficial o leve preso.
Antífolo de Éfeso
Eu pagar-vos? Dizei: quanto vos devo?
Ângelo
O preço, justamente, da cadeia.
Antífolo de Éfeso
Nada vos devo, enquanto não for minha.
Ângelo
Sabeis que vo-la dei há meia hora.
Antífolo de Éfeso
A mim não destes nada; isso me ofende.
Ângelo
Mais me ofendeis, senhor, negando o fato. Considerai que nisso empenho o crédito.
Mercador
Muito bem. Oficial, por queixa minha, prendei-o sem demora.
Oficial de Justiça
Agora mesmo. Em nome, pois, do duque, obedecei-me.
Ângelo
Minha reputação sofre com isso. Ou me pagais o preço da cadeia, ou vos farei prender in continenti.
Antífolo de Éfeso
Consentir em pagar o que não devo? Manda prender-me, estúpido, se o ousares.
Ângelo
Oficial, eis o vosso emolumento; prendei-o a meu pedido. Em circunstâncias como esta, ao próprio irmão eu não poupara, se tentasse ofender-me assim de público.
Oficial de Justiça
Estais preso, senhor; a queixa ouvistes.
Antífolo de Éfeso
Sim, obedeço até pagar a fiança. Mas, por Deus, pagareis a brincadeira com quanto ouro tiverdes na oficina.
Ângelo
Ora, senhor, hei de achar leis em Éfeso, não o duvido, para vosso opróbrio.
(Entra Drômio de Siracusa.)
Drômio de Siracusa
Mestre, há no porto um barco de Epidamno, que aguarda tão-somente o proprietário para partir. Já pus a bordo toda nossa bagagem. Comprei óleo, bálsamo e aqua-vitae. De jeito está o navio; sopra fresco de terra o alegre vento. Só a vós e ao dono, mestre, eles aguardam.
Antífolo de Éfeso
Que é isso? Estás maluco? Que navio de Epidamno por mim está esperando?
Drômio de Siracusa
O navio, senhor, que me incumbistes de procurar para comprar passagem.
Antífolo de Éfeso
Bêbedo, o que eu mandei foi que comprasses uma corda e te disse para o que era.
Drômio de Siracusa
Corda? Nenhuma corda me pedistes. O que mandastes foi que eu visse um barco.
Antífolo de Éfeso
Com mais vagar resolverei o assunto e ensinarei a ouvires o que deves. Procura Adriana, biltre, sem demora; dá-lhe esta chave; dize-lhe que dentro da gaveta da mesa recoberta pelo tapete turco bá uma bolsa cheia de moedas de ouro. Que ma envie por ti, depressa. Conta-lhe que me acho detido em plena rua e que preciso pagar uma caução. Não te demores; detido esperarei tempos melhores.
(Saem o mercador, Ângelo e o oficial de justiça.)
Drômio de Siracusa
Essa Adriana é da casa em que jantamos e onde a tal Dosabel me reclamava para marido. Mas é muito grande, penso, para cingi-la nestes braços. Contudo, irei, embora a contragosto; servo é soldado que não larga o posto.
(Sai.)
Submited by
Poesia Consagrada :
- Login to post comments
- 1816 reads
other contents of Shakespeare
Topic | Title | Replies | Views |
Last Post![]() |
Language | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia Consagrada/Sonnet | Sonnet 12: When I do count the clock that tells the time | 0 | 7.195 | 07/12/2011 - 01:13 | English | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Sonnet 119: What potions have I drunk of Siren tears | 0 | 5.021 | 07/12/2011 - 01:12 | English | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Sonnet 118: Like as to make our appetite more keen | 0 | 4.422 | 07/12/2011 - 01:09 | English | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Sonnet 116: Let me not to the marriage of true minds | 0 | 4.819 | 07/12/2011 - 01:07 | English | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Sonnet 115: Those lines that I before have writ do lie | 0 | 4.771 | 07/12/2011 - 01:06 | English | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Sonnet 114: Or whether doth my mind, being crowned with you | 0 | 5.010 | 07/12/2011 - 01:05 | English | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Sonnet 113: Since I left you, mine eye is in my mind | 0 | 4.368 | 07/12/2011 - 01:04 | English | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Sonnet 112: Your love and pity doth th' impression fill | 0 | 4.566 | 07/12/2011 - 01:02 | English | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Sonnet 111: O, for my sake do you with Fortune chide | 0 | 4.198 | 07/12/2011 - 01:01 | English | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Sonnet 110: Alas, 'tis true, I have gone here and there | 0 | 5.034 | 07/12/2011 - 00:59 | English | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Sonnet 11: As fast as thou shalt wane, so fast thou grow'st | 0 | 5.428 | 07/12/2011 - 00:58 | English | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Sonnet 109: O, never say that I was false of heart | 0 | 5.629 | 07/12/2011 - 00:57 | English | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Sonnet 108: What's in the brain that ink may character | 0 | 4.581 | 07/12/2011 - 00:57 | English | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Sonnet 107: Not mine own fears, nor the prophetic soul | 0 | 4.718 | 07/12/2011 - 00:56 | English | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Sonnet 106: When in the chronicle of wasted time | 0 | 4.916 | 07/12/2011 - 00:54 | English | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Sonnet 105: Let not my love be called idolatry | 0 | 5.391 | 07/12/2011 - 00:53 | English | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Sonnet 104: To me, fair friend, you never can be old | 0 | 5.206 | 07/12/2011 - 00:53 | English | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Sonnet 103: Alack, what poverty my Muse brings forth | 0 | 4.955 | 07/12/2011 - 00:52 | English | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Sonnet 102: My love is strengthened, though more weak in seeming | 0 | 4.275 | 07/12/2011 - 00:50 | English | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Sonnet 101: O truant Muse, what shall be thy amends | 0 | 5.035 | 07/12/2011 - 00:43 | English | |
Poesia Consagrada/General | Sonnet 100: Where art thou, Muse, that thou forget'st so long | 0 | 5.071 | 07/12/2011 - 00:42 | English | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Sonnet 10: For shame, deny that thou bear'st love to any | 0 | 4.629 | 07/12/2011 - 00:40 | English | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Sonnet 1 | 0 | 5.035 | 07/12/2011 - 00:38 | English | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Sonet LIV | 0 | 5.066 | 07/12/2011 - 00:37 | English | |
Poesia Consagrada/General | Silvia | 0 | 5.441 | 07/12/2011 - 00:36 | English |
Add comment