Casimiro de Abreu : Minha Terra

Todos cantam sua terra,
Também vou cantar a minha,
Nas débeis cordas da Lira
Hei de fazê-la rainha;
— Hei de dar-lhe a realeza
Nesse trono de beleza
Em que a mão da natureza
Esmerou-se em quanto tinha.

Correi pr’as bandas do sul
Debaixo dum céu de anil
Encontrareis o gigante
Santa Cruz, hoje Brasil;
— É uma terra de amores
Alcatifada de flores
Onde a brisa fala amores
Nas belas tardes de Abril.

Tem tantas belezas, tantas,
A minha terra natal,
Que nem as sonha um poeta
E nem as canta um mortal!
— É uma terra encantada
— Mimoso jardim de fada —
— Do mundo todo invejada,
Que o mundo não tem igual.

Não, não tem, que Deus fadou-a
Dentre todas — a primeira:
Deu-lhe esses campos bordados,
Deu-lhe os leques da palmeira,
E a borboleta que adeja
Sobre as flores que ela beija,
Quando o vento rumoreja
Na folhagem da mangueira.

É um país majestoso
Essa terra de Tupá,
Desd’o Amazonas ao Prata,
Do Rio Grande ao Pará!
— Tem serranias gigantes
E tem bosques verdejantes
Que repetem incessantes
Os cantos do sabiá.

Ao lado da cachoeira,
Que se despenha fremente,
Dos galhos da sapucaia
Nas horas do sol ardente,
Sobre um solo d’açucenas,
Suspensa a rede de penas
Ali nas tardes amenas
Se embala o índio indolente

Foi ali que noutro tempo
À sombra do cajazeiro
Soltava seus doces carmes
O Petrarca brasileiro;
E a bela que o escutava
Um sorriso deslizava
Para o bardo que pulsava
Seu alaúde fagueiro.

Quando Dirceu e Marília
Em terníssimos enleios
Se beijavam com ternura
Em celestes devaneios;
Da selva o vate inspirado,
O sabiá namorado,
Na laranjeira pousado
Soltava ternos gorjeios.

Foi ali, foi no Ipiranga,
Que com toda a majestade
Rompeu de lábios augustos
O brado da liberdade;
Aquela voz soberana
Voou na plaga indiana
Desde o palácio à choupana,
Desde a floresta à cidade!

Um povo ergueu-se cantando
— Mancebos e anciãos —
E, filhos da mesma terra,
Alegres deram-se as mãos;
Foi belo ver esse povo
Em suas glórias tão novo,
Bradando cheio de fogo:
— Portugal! somos irmãos!

Quando nasci, esse brado
Já não soava na serra
Nem os ecos da montanha
Ao longe diziam — guerra!
Mas não sei o que sentia
Quando, a sós, eu repetia
Cheio de nobre ousadia
O nome da minha terra!

Se brasileiro eu nasci
Brasileiro hei de morrer,
Que um filho daquelas matas
Ama o céu que o viu nascer;
Chora, sim, porque tem prantos,
E são sentidos e santos
Se chora pelos encantos
Que nunca mais há de ver.

Chora, sim, como suspiro
Por esses campos que eu amo,
Pelas mangueiras copadas
E o canto do gaturamo;
Pelo rio caudaloso,
Pelo prado tão relvoso,
E pelo tiê formoso
Da goiabeira no ramo!

Quis cantar a minha terra,
Mas não pode mais a lira:
Que outro filho das montanhas
O mesmo canto desfira,
Que o proscrito, o desterrado
De ternos prantos banhado,
De saudades torturado,
Em vez de cantar — suspira!

Tem tantas belezas, tantas,
A minha terra natal,
Que nem as sonha um poeta
E nem as canta um mortal!
— É uma terra de amores
Alcatifada de flores
Onde a brisa em seus rumores
Murmura: — não tem rival!

Submited by

Saturday, May 23, 2009 - 23:14

Poesia Consagrada :

No votes yet

CasimirodeAbreu

CasimirodeAbreu's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 14 years 21 weeks ago
Joined: 05/23/2009
Posts:
Points: 234

Add comment

Login to post comments

other contents of CasimirodeAbreu

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Sonhando 0 672 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Lembrança 0 473 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : O baile! 0 472 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Minh'alma é triste 0 663 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Palavras a alguém 0 477 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Folha negra 0 545 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Love Casimiro de Abreu : Canto de amor 0 2.212 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Violeta 0 597 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : O quê? 0 453 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Dedicated Casimiro de Abreu : Sonhos de virgem 0 1.857 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Dedicated Casimiro de Abreu : Assim! 0 1.720 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Quando?!... 0 485 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Sempre sonhos!... 0 455 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Dedicated Casimiro de Abreu : O que é - simpatia 0 1.457 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Palavras no mar 0 366 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Pepita 0 547 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Visão 0 388 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Queixumes 0 536 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Dedicated Casimiro de Abreu : Sete de setembro 0 1.500 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Poesia e amor 0 435 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Dedicated Casimiro de Abreu : Orações 0 1.539 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Bálsamo 0 847 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Deus! 0 480 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Primaveras 0 443 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Cena íntima 0 470 11/19/2010 - 16:54 Portuguese