Cancioneiro - Intervalo
Intervalo
Quem te disse ao ouvido esse segredo
Que raras deusas têm escutado —
Aquele amor cheio de crença e medo
Que é verdadeiro só se é segredado?...
Quem te disse tão cedo?
Não fui eu, que te não ousei dizê-lo.
Não foi um outro, porque não sabia.
Mas quem roçou da testa teu cabelo
E te disse ao ouvido o que sentia?
Seria alguém, seria?
Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi só qualquer ciúme meu de ti
Que o supôs dito, porque o não direi,
Que o supôs feito, porque o só fingi
Em sonhos que nem sei?
Seja o que for, quem foi que levemente,
A teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente
Mas que não passa do meu pensamento
Que anseia e que não sente?
Foi um desejo que, sem corpo ou boca,
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A frase eterna, imerecida e louca —
A que as deusas esperam da ledice
Com que o Olimpo se apouca.
Fonte: http:// www.ciberfil.hpg.ig.com.br
Submited by
Poesia Consagrada :
- Login to post comments
- 2336 reads
Add comment
other contents of FernandoPessoa
Topic | Title | Replies | Views |
Last Post![]() |
Language | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Enfia a agulha | 0 | 1.381 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Entre o luar e o arvoredo | 0 | 1.147 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Entre o sossego e o arvoredo | 0 | 1.203 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Epitáfio Desconhecido | 0 | 945 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Era isso mesmo | 0 | 1.048 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Eram Varões Todos | 0 | 1.127 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - É um campo verde e vasto | 0 | 1.162 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Eu | 0 | 825 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Eu amo tudo o que foi | 0 | 908 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Eu me resigno. Há no alto da montanha | 0 | 1.195 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Eu tenho idéias e razões | 0 | 1.485 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Exígua lâmpada tranqüila | 0 | 799 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Falhei. Os astros seguem seu caminho | 0 | 879 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Doze signos do céu o Sol percorre | 0 | 1.706 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Durmo, cheio de nada, e amanhã | 0 | 833 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Durmo. Regresso ou espero? | 0 | 1.175 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - E a extensa e vária natureza é triste | 0 | 902 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - É boa ! Se fossem malmequeres ! | 0 | 1.191 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - O Louco | 0 | 1.002 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Eh, como outrora era outra a que eu não tinha ! | 0 | 751 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - É Inda Quente | 0 | 834 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - E ou jazigo haja | 0 | 884 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - É uma brisa leve | 0 | 1.019 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - E, ó vento vago | 0 | 647 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Em outro mundo, onde a vontade é lei | 0 | 1.099 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese |
Comments
Breve, o dia em que decidi ser alguma coisa,
Breve, o dia em que decidi ser alguma coisa,
Espuma de mar cavado na sarração do vento.
Acordo no meio de uma conspiração d’ondas e horas
E dedico os últimos minutos a tentar definir o tempo
E lembro-me de não querer ser capitão d’coisa alguma
Sobretudo no dia de hoje que acabará d’manhã bem cedo,
Ainda me pus a olhar o futuro, sem solução à vista ou relógio d’pulso
E, na vigia baça da embarcação, abocanho um curto sonho,
Um sonho em vão, de quem espera horas e horas o fio,
Mas breve, breve como as ondas no bojo preto deste navio
Cargueiro. Vi passar o rápido, das nove e um quarto,
Branco, branco…Tinha na face, a expressão da glória antiga,
E eu aqui no porão, como um rato num ínfimo labirinto,
Hostil e angustiado sob o peso da máquina universal do atraso.
Ah, se eu estivesse atrasado dezoito horas na vida,
Começava tudo outra vez, à meia-noite e vinte em ponto
E seria mais um livro, posto na prateleira, sem paciência
Pra ser lido, contudo, sinto-me vivo como um nado-morto,
Embalado pelo dever de viver, ao lado de cada dia, de cada segundo,
Sem força para detestar tudo o que me é imposto,
Pela absurda tripulação de estibordo.
Ah, se eu tivesse ambição, provocaria um motim de praças
E partiria de malas feitas, por esse mundo sem fim,
Decerto seria alguma coisa, com mais sabor que não engodo
De peixe balão, batata de sofá, asceta gordo de time-sharing
Ou marajá da sanita. Descubro que sou, metade, tempo perdido,
Metade, escrita ilúcita e imaginação no intervalo, mudo de cor,
Ao estilo de camaleão do campo… sem título.
Breve, o dia em que decidi ser, coisa alguma,
Um zero, num fim metafórico de cena, uma réplica de sino,
Uma causa pequena, onde o vento, faz tempo não sopra
E dedico os últimos minutos, A TENTAR DEFINIR A ESPERANÇA.
Joel Matos
(01/2011)
http://namastibetpoems.blogspot.com